Quarta-feira, Dezembro 4, 2024
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Lá se foram as autárquicas

Como o Imprensa Falsa noticiou, o dia seguinte ao das eleições é agora o dia do que é que eu fui fazer, um período previsto na lei para os eleitores tomarem consciência do que fizeram. Vamos por isso analisar os resultados, mas assim de forma superficial porque a noite foi longa, ficou-se até às quinhentas a pesar a fruta da marquesa de Arroios. 

Nesta análise, temos de ficar assim pelas principais câmaras, porque é verdade que Portugal não é só Lisboa e Porto, mas analisar mais de 300 concelhos em poucas linhas obrigava a uma task force, vários pavilhões, muitos voluntários e um vice-almirante. 

Comecemos então pela abstenção, que continua a ser o grande partido português, fenómeno ao qual não será alheio o facto de ser também o único que não apela ao voto, antes pelo contrário. Convenhamos que a todos os níveis – comodidade, logística, ambiente – é uma vantagem. Pela minha parte, tenho de confessar que nunca senti assim um desgosto tão grande com os números da abstenção, talvez por considerar até um bom sinal da sã e fraterna convivência que se respira entre a comunidade. Diz-se que, quem não vai votar, deixa a escolha para os outros. Pois bem, há maior cortesia? Um vizinho confiar no vizinho? 

Lamento, no entanto, que a abstenção não tenha um líder carismático para falar no fim da noite. “Minhas amigas e meus amigos [vitória!,vitória! vitória!], calma… minhas amigas e meus amigos… ganhámos outra vez! [(aplausos) abstenção! abstenção! e quem não salta não se abstém, não se abstém!] Mais uma vitória, minhas amigas e meus amigos, sem promessas, sem cartazes, sem programa, sem candidatos… nem sequer fomos votar, minhas amigas e meus amigos!”

Ainda assim, interessa-nos mais para o caso os derrotados, aqueles que, pedindo às pessoas para irem votar, levaram sopa. Ora, a surpresa da noite é, sem sombra de dúvidas, a vitória de Carlos Moedas em Lisboa, que derrotou os ciclistas na capital, ao contrário do que diziam todas as sondagens. Sobre as sondagens, é um jogo de sorte ou azar. Eles hoje foram à máquina ver se tinham alguma coisa e a máquina não cantou. Podemos criticar, mas acertar à segunda é fácil.  

Moedas torna-se assim presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mesmo com os lisboetas a considerar que teria mais graça, apesar de tudo, se se tornasse presidente da EMEL. Se há instituição que ganha com Moedas, em Lisboa, é a EMEL. Claro que este é só mais um trocadilho com o nome do agora autarca, mas suspeito que depois de receber a Web Summit na sua cidade, sairá de lá Carlos Contactless. 

Já passava das duas da madrugada quando o engenheiro Moedas começou a falar numa sala cheia e quando digo cheia é mesmo cheia. Havia mais distanciamento social no Boom Festival. E euforia também. Este dado tem graça porque o director de campanha dos “Novos Tempos” é um médico de saúde pública e epidemiologista, que nos últimos meses passou grande parte do seu tempo nas televisões a alertar para os riscos da pandemia. A única sede que tinha um epidemiologista à frente foi também a única que se descontrolou. Se eles soubessem disto há uns meses, tinham chamado à coligação “Novos Surtos”. 

No Porto, Rui Moreira vence sem surpresa mas também sem maioria absoluta. Vladimiro Feliz, o candidato do PSD, perdeu mas não ficou triste, porque agora Rui Moreira tem de lá ir pedir batatinhas, que nem por cima do cadáver político de Rui Rio lhas dão. Preso entre Rui Moreira e Rui Rio, Vladimiro poderá continuar Feliz, mas agora um pouco mais ansioso. De registar que estas autárquicas tiveram dois Vladimiros, o Feliz no Porto e o Putin em Lisboa. 

Em Coimbra voltamos às mudanças, com a vitória da coligação PSD, CDS, PPM, Volt, RIR, Aliança, Nós, Cidadãos, ACP, NATO, Sapataria Guimarães, Prozis, LOL, STOP, Watts, PQP e Vós, Fregueses. Os eleitores em Coimbra tinham o trabalho facilitado, porque ou vem um aeroporto, ou uma maternidade, ou um Tribunal Constitucional. Mesmo quem votou nulo, de certeza que o nulo promete alguma coisa para Coimbra. Não havia, por isso, como falhar em Coimbra. E uma palavra também para Beja, onde ganha Paulo Arsénio. Atrás dele ficou Vítor Picado. As eleições em Beja parecem uma corrida na ponte. 

Ora, mais voto, menos voto, ao fim da noite todos os partidos tinham conquistado, como já vem sendo hábito, um excelente resultado eleitoral. Bom, Jerónimo de Sousa estava um bocado traumatizado, talvez por ter visto o PSD ganhar câmaras no Alentejo. Parecia, de facto, a queda da URSS. Mas habilidoso como só Jerónimo, virou para o orçamento de Estado. Só faltou responder, a qualquer pergunta sobre as autárquicas, “as autárquica são só daqui a quatro anos”. 

Ganham sempre todos, é uma alegria. A nossa democracia é das mais românticas do mundo. A revolução, em vez dos tradicionais tiros e baixas, teve uma simbólica troca de flores. Nenhum povo, para se libertar de uma ditadura, começou por ir à florista. Só nós. – “Bom dia, olhe, queria que me fizesse aí um bonito arranjo, que é para um golpe de Estado, mas não meta margaridas porque faço alergia e depois estou a derrubar o ditador e a espirrar, meta malmequeres porque é a senha”. – Entretanto, com esta ternura desta democracia já consolidada, nas eleições ganham todos. É uma vitória clara e inequívoca para todos e todos crescem. Mais votos, mais câmaras, tudo. Os portugueses hoje devem ser vinte milhões e as câmaras mais de seiscentas.

A pieguice é tal que o povo tem de tentar fazer algumas leituras de alguns gestos políticos, procurando desesperadamente por desentendimentos. Na noite de ontem, criticou-se o líder do PS, por exemplo, por ter falado antes do derrotado Medina. Acontece que os líderes partidários falaram todos antes para poderem ir às sedes de campanha. Chicão falou cedo para ir celebrar mais uma vitória, que desta feita deu a Moedas. Rui Rio também falou antes para ir atrás do Chicão. E António Costa só queria ir até ao Pátio da Ralé para ver Medina tentar o milagre de beber água sem abrir a garrafa. Não há outras leituras políticas. Não há casos. 

Vitória para todos. Agora é esperar pelas próximas autárquicas, quando se volta a ter passadeiras, canteiros e pavimentos de uma forma geral.

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