Terça-feira, Novembro 25, 2025
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Chicos-espertos e magros

Nunca faltou dinheiro na Saúde. Sobram é fraudes e abusos. Num dia é o médico que opera tudo ao sábado, até os pais, no outro a médica que rouba os pobres para emagrecer os ricos. Mas há muito mais.

Nos últimos anos, temos vindo a despejar dinheiro no Serviço Nacional de Saúde. Falamos de aumentos de um ano para o outro na ordem dos mil milhões de euros. Seguimos a este ritmo frenético desde a pandemia, mais coisa menos coisa. Quando António Costa dizia, ainda em São Bento, que tinha a torneira aberta para o SNS – porque tinha o país aos gritos já sem médico, sem maternidades e sem urgências -, estava a dizer a verdade. De 2024 para 2025 também há um aumento de quase 10%. Para o próximo ano estima-se um aumento mais modesto de 1,5%.

O problema não parece ser, portanto, dinheiro, mais concretamente a falta dele. Não tem faltado, como se vê. Nem neste período em que o investimento privado foi, também, enorme. Ou seja, podia sentir-se um alívio no serviço público, com milhões de portugueses a dar uso aos seus seguros de saúde. Não sentiu. A demanda foi sempre crescendo. Meteu-se uma pandemia, é verdade, mas os números da pandemia não se reflectem necessariamente nestes, pelo menos de forma directa. A dimensão da calamidade exigiu outros esforços orçamentais, internos e externos.

Para que se perceba, podemos comparar – no quadro seguinte e isto quando mete quadros é a sério, só tenho pena de não o poder projectar aí numa parede – podemos comparar, dizia eu, o nosso investimento em Saúde com o de outros países, isto tendo como referência o ano de 2023. Estamos fortes, com uma boa % do PIB dedicado à Saúde. Comparamos, em alguns casos, com países que prestam serviços de luxo, em que as pessoas já nem falecem, a esperança média de vida é de 450 anos.

Ora, apesar deste nível de investimento e de parecer que dinheiro nunca foi um problema – ler com sotaque burguês -, a qualidade dos serviços não melhorou. As grávidas têm as crianças onde calha, desde que não calhe numa maternidade. As urgências estão abertas quando estão. Só as listas de espera acabaram, ou estão para acabar, mas é porque já não se chamam listas. Têm outro nome.

Certo é que o Estado está a falhar.

Mas como? Como é que gastamos tanto dinheiro, cada vez mais, e falhamos desta maneira, ao mesmo tempo? Que mistério é este? É um mistério pouco misterioso, porque está à vista de todos. Ficámos a conhecer, há semanas, um médico dermatologista que se aproveitou de um sistema muito ingénuo e facturou uma fortuna em cirurgias, no Hospital de Santa Maria. Até os seus pais operou, resta saber quantas vezes. Foi tudo a eito. Cada um que lhe aparecia à frente, zás. Estimo que se tenha operado a ele próprio. E uma pessoa que só lhe perguntou onde era a medicina geral. E outro que lhe pediu as horas.

Entretanto, hoje ficámos a saber que foi detida, no Porto, uma médica que diagnosticava diabetes aos seus pacientes para poderem ter as suas vacinas contra a banha – aquilo que anda tudo a espetar no lombo para ficar com o corpo da Sara Sampaio comendo como o deputado Pedro Pinto – comparticipadas pelo Estado. Para mim, iam todos dentro, médica e pacientes. Todos elegantes para o chilindró. Enquanto isto não doer, o chico-espertismo não falece.

Também hoje – este caso não é tão interessante para o que aqui discutimos, mas demonstra com eficácia o completo caos e descontrolo no Serviço Nacional de Saúde -, duas senhoras foram detidas por inscreverem no SNS, em ano e meio, cerca de 10 mil imigrantes ilegais. Trabalhavam para o SNS e para uma rede de imigração ilegal. Temos de fazer pela vida. Um trabalho só, hoje em dia, é curto. Foi em Cortegaça. Perguntei à Inteligência Artificial quantos habitantes tem Cortegaça e respondeu-me que não está para isto. Claramente não encontrou a resposta. Procurei mais um pouco. Segundo os censos de 2021, Cortegaça tem 3746 habitantes. Fiz umas contas rápidas e 10 mil inscritos, em ano e meio, são cerca de 26,8 novos utentes por dia. Ninguém reparou no trânsito? É que, em poucas semanas, duplicaram a população. Sim, podem inscrever-se residindo noutros locais. Então e o sistema não repara que há uma família de 500 pessoas que mora numa loja em Lisboa e está a inscrever-se a 290 quilómetros de distância, em Cortegaça? Que rebaldaria é esta?

Vamos voltar ao perca peso agora à conta do vizinho, pergunte-me como. Segundo a PJ, a senhora doutora prescrevia o antídoto para a obesidade aos seus anafados pacientes como se fosse um fármaco para a diabetes que eles não tinham, mas a senhora metia lá que sim, passando então a fabulosa injecção a contar com um desconto de 95%; um patrocínio de todos os outros contribuintes, incluindo os ironicamente delgados.

Os seus pacientes, quando chegavam à primeira consulta, ainda tinham de ser desencarcerados do Porsche pelos Bombeiros Voluntários de Leça da Palmeira e depois eram transportados até à clínica com a ajuda de um empilhador. Mas da última consulta já vinham com o aspecto de um saco de vácuo depois de ser aspirado. Nada contra, antes pelo contrário. Só a parte da fraude é que era evitável, porque antes balofo e honesto do que seco e vigarista.

O caso é tão grave que esta médica do Porto casava-se com o dermatologista do Santa Maria e os 17 mil milhões de euros eram só para o casal. Tínhamos de pôr mais dinheiro.

Mas é mesmo nisto que se vai o dinheiro todo. Na má gestão, em abusos e fraudes. Assim se explica que não paramos de aumentar a verba e ainda está a ficar pior. É que não são apenas dois casos. Estes são apanhados porque padecem de ganância aguda, mas se juntarmos todas as outras pequenas fraudes, chegamos a que valor? Só aqui para a senhora doutora dos chicos-espertos e magros, a PJ estima 3 milhões de euros de prejuízo para o Estado. Falamos de 3 milhões de euros. Terá ficado alguém acima do peso, no Porto? Vão ganhar as maratonas todas.

Por falar em urgências, é preciso uma auditoria a isto tudo, de cima a baixo. Compensa-nos retirar daquele bolo – é melhor não falar em bolo, que a outra ainda aparece aí a vender o MagroRapid+ com 95% de desconto – compensa-nos retirar daquele montante, dizia eu, de 17 mil milhões de euros, uma fortuna grega só para levar a cabo uma auditoria profunda e fiscalizar tudo, mas tudo. Mas investir bem, com pessoas e meios. É para apanhar tudo. Entretanto, agravar penas. Engavetar todos, médicos, pacientes e até uma pessoa que, coitada, ia a passar.

É preciso perseguir sem quartel o chico-espertismo neste país. Digo isto e porventura também serei chico-esperto amiúde, porque em Roma sê romano, devo ter o piquinho. Temos todos. Quando não temos, nesses raros casos, acaba-se então por abraçar o chico-espertismo graças à sabedoria popular que determina que ou há moralidade ou comem todos. Mas o fim de qualquer vício começa com a renegação.

E isto está impregnado de maus hábitos até às orelhas.

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