Quinta-feira, Novembro 20, 2025
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O Martinho e a ética

Num país em que o tablóide faz as capas e os governos caem, não é desperdício dedicar-se umas eleições à ética, com propostas para melhorar, tornar mais transparente e resistente a suspeitas.

Como se lê irritante e frequentemente em cabeçalho de e-mails, espero que esta crónica vos encontre bem. Já não se espera que alguém esteja bem, espera-se que o e-mail a encontre bem. Depois o e-mail vem ter connosco e diz “nem imaginas quem é que eu vi… estava óptimo”. Ou então comentamos com alguém que um e-mail nosso encontrou o Simplício muito em baixo, “o meu e-mail pode estar a exagerar, porque eu às vezes depois ligo e o meu telefonema encontra-os bem, mas sim, disse-me que ele estava sorumbático e ensimesmado”.

Quantas vezes me apetece responder qualquer coisa como “espero que este e-mail lhe diga que por aqui se vai andando e oxalá este e-mail queira saber como está tudo por aí”. E pronto, podemos manter uma relação de décadas sem nunca falarmos com a pessoa, sendo o contacto sempre estabelecido entre os nossos e-mails, até ao dia – ou não – em que estes nos apresentam pessoalmente.

Mas não era sobre isto que vos queria falar. A preocupação prende-se, naturalmente, com o temporal que esta madrugada se fez sentir em várias regiões do país, nomeadamente em Lisboa – e nomeio esta só porque é em Lisboa que me encontro e portanto posso falar. Às duas da manhã estava a arrumar cobardemente o automóvel na garagem, temendo que uma árvore sobre ele se deitasse. A árvore da frente já tinha ido parar ao chão – e são grandes – esta podia seguir-lhes os passos – acabou por não seguir – razão pela qual se entendeu que era prudente abrigar a viatura.

Bom, não é bem “se entendeu”, porque o meu entendimento era outro. Acontece que, quando há dois entendimentos em disputa e um deles pode trazer mais problemas, o outro tem mais força. Ou seja, se alguém entende que é melhor abrigar o carro, o entendimento de que talvez o carro não leve com uma árvore, isto numa altura em que estão a tombar várias à volta, é de dificílima argumentação e altíssimo risco. Nem me cansei, sobretudo àquela hora.

Restava-me apenas um trunfo, que era lembrar que podia ser eu a levar com a árvore ou com outra coisa qualquer – um sinal de trânsito, um painel publicitário, porque voavam muitas coisas -, podendo até perder-se ambos – o carro e o próprio -, pelo que se procedeu a umas contas rápidas e o automóvel, com quase 5 anos e cerca de 120 mil quilómetros, ainda vale mais do que eu. Justificava-se, portanto, o risco. Vesti o sobretudo e fui.

Mas também não era sobre isto que vos queria falar. Era mesmo sobre as eleições que temos pela frente. Já sabemos que não vão correr bem, que vão ser feias, porventura medonhas – dependendo de onde me estiver a ler; se for na Estrela, então sim, o que as eleições podem ser é medonhas. Haverá lavagem de roupa suja, notícias de escândalos e de corrupção. Será, sem alternativa, um concurso de ética, mas em reality show, com o público lá em casa a votar, só não é pelo telefone. Por enquanto.

Esta circunstância tem levado muitos intelectuais, entre eles o Chefe de Estado, mas não só, a pedir para que se discuta política, como quem diz “sabemos que vai ser mau, vamos só ver se não é péssimo”. Acontece que talvez seja mesmo o momento de se discutir a ética e a idoneidade. Já que aqui chegámos e num país em que o tablóide faz as capas e os governos caem, talvez não seja um desperdício assim tão grande dedicar-se umas eleições ao tema da ética, com propostas para melhorar o sistema, torná-lo mais transparente e resistente a suspeitas.

Eu percebo que a intelectualidade convide à defesa da discussão política, que é mais nobre, mas que discussão podemos nós ter quando as últimas eleições têm pouco mais de um ano? O que havia a discutir está discutido. Nenhum partido vai mudar o seu programa, sendo que, se o fizer, tem de justificar a mudança em tão pouco tempo. Só em matéria de Defesa há novidades e nessa área, sim, há muito a debater. Mas pouco mais. Mesmo em relação a cenários pós-eleitorais, com as mesmas lideranças e os mesmos obstáculos, não se pode inventar muito.

A única discussão política que podia ter interesse, nesta altura, era aquela que debatesse a real hipótese de ainda se ir a tempo de substituir lideranças partidárias, numa versão portuguesa do que se passou nos Estados Unidos com Joe Biden, por outros motivos. Fora isto, não há grande política e sobra ética, que não lhe deve ser indiferente, antes pelo contrário.

A crónica continua na newsletter Agora a Sério, em agoraaserio.substack.com/p/o-martinho-e-a-etica

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