Um ouvinte do Dia de Reflexão (o podcast, não a véspera de eleições) enviou-me uma mensagem – na sequência do último episódio – sobre o atraso nas obras do Hospital Central do Alentejo, em Évora. O tema pareceu-me interessante, o desânimo fazia sentido. Agarrei em mim e fui estudar o assunto.
Ora, considero-me uma pessoa bem informada e suspeito que acima da média. Digo isto não por bazófia, mas apenas porque passo uma parte dos dias a ler notícias – do país e do mundo, como diz o outro – e nunca tinha ouvido falar do Hospital Central do Alentejo, mais concretamente das suas obras. Claro que devo ter ouvido falar algumas vezes – e encontramos uma ou outra notícia, sobretudo quando lá passa alguém importante -, mas jamais com o destaque que este tema merecia. Este e outros, porque não é só um hospital central – e já era bastante -, somos nós enquanto país.
Veja-se bem: A obra foi adjudicada em 2020 a uma empresa espanhola, a única a apresentar uma proposta válida, o que se estranha num investimento de quase 150 milhões de euros. Não digo que é estranho para levantar suspeitas, mas porque é naturalmente estranho um negócio destes, se fosse bom, não ter vários interessados a concorrer. Era preciso perceber isto. Tanto tempo a pensar e mais ainda para procedimentos, depois não há “interessados”. Seja como for, este valor já está desactualizado, graças a algumas derrapagens. O último reforço andou à volta dos 30 milhões de euros.
Também não será preciso dizer que a obra sofreu muitos atrasos. Mas eu digo. Esteve prevista para o final de 2023. Depois para o final de 2024. Depois Fevereiro de 2025. Ainda não há hospital, nem sequer data. A nova ministra – nova mas já vai no segundo governo, como sabemos – esteve lá recentemente e falou em 2026 com algum jeitinho, mas também já disse outro número, a saber, 2027.
Como é que se tolera isto? Como?
É um grande hospital, pois é, mas tem de estar construído no máximo em dois anos, sem derrapagens, sem atrasos, sem confusões e sem demissões – uma coisa que ainda nem existe e já tem demissões (mas compreendo a frustração das pessoas) -, que é como acontece… onde? Nos países desenvolvidos, exactamente. É como acontece nos países desenvolvidos, como nós dizemos que também somos mas nunca conseguimos prová-lo. Só a organizar grandes eventos é que parecemos razoavelmente do primeiro mundo.
O “Futuro Novo Hospital Central do Alentejo” – como lhe chamam em alguns sítios e “futuro novo” é um nome muito bom, sobretudo quando o futuro leva um atraso destes – foi considerado um Grande Projecto pela Comissão Europeia. Foi de projecto de grande dimensão a Grande Projecto e já recebeu, pelo menos, 40 milhões de euros dos fundos. É uma pena não lhe terem passado a chamar, em São Bento e em Bruxelas, Grande Escândalo.
Isto não tem explicação, nem desculpa. São milhares de pessoas afectadas. Ou podemos mesmo falar em milhões, porque todo o país é afectado. Não é só Évora e o Alentejo, é o país todo que perde com este desmazelo, esta incúria, esta inércia e uma gestão de bradar aos céus.
O ouvinte que me escreveu é enfermeiro, natural de Almada, mas formou-se no interior (Castelo Branco), para onde tem a ambição de voltar, mas escolhendo agora Évora. Por isso ficou à espera – não foi, como muitos, para fora. Mais uma vez, perde o país todo. Jovens que querem cá trabalhar, ainda por cima no interior, pessoas que ainda acreditam no futuro e no desenvolvimento… desiludem-se primeiro, depois começam a desesperar.
Entretanto, temos de falar na comunicação social, aquela que tinha o dever e a obrigação de noticiar com muita frequência estes casos, para que não caíssem no esquecimento, espetando com estes casos em notícias e debates. Fazendo investigação. Há quanto tempo não vão a Évora? Ou a Portalegre? Covilhã? Guarda? Notícias de fatalidades, dadas à distância e aos pontapés, é aos montes. Mas e estas, de um país que não existe?
Quantas horas se fala e discute, na imprensa portuguesa, a Ucrânia? Tenho o maior respeito pela Ucrânia, mas estamos há anos com comentários diários sobre uma guerra que passou a ser uma novela macabra. Todos os dias há novas informações, quase sempre especulativas, conversa para jogar fora. Mas e Évora, será que não pode ser discussão uma ou outra vez, nos intervalos das guerras? Quem diz Évora diz todas as outras regiões deste país que não são Lisboa e Porto.
Eu sou de Lisboa, não tenho – infelizmente – qualquer ligação ao interior do país, por isso não se trata aqui de alguém que lamenta não ver a sua terra nas notícias, como tantas vezes se menospreza as queixas legítimas. Pela minha parte, é só revolta, da mais pura, com um país que não passa disto e só anda a gastar dinheiro aos pobres dos vizinhos europeus que, ainda assim, lá vão andando, não precisavam desta despesa.
Voltando à comunicação social, ela não faz o seu trabalho, não cumpre o seu dever. Para além da intriga política, só dá notícias do mundo, porque chegam as peças já feitas, é só meter legendas. Os debates, esses, andam sempre à volta do mesmo. Enquanto escrevo, percebo que, na CNN Portugal, estão a falar do impasse nas negociações entre Israel e o Hamas. Também tenho o maior respeito pelo que se passa no Médio Oriente e também não pode cair no esquecimento, de modo algum. Merece muito destaque, é verdade. Mas não podiam ter ido também a Évora? Um directo de Évora… há lá notícias, há. Reparem, o “Futuro Novo” Hospital Central do Alentejo é um escândalo e só mais um exemplo da nossa mais indisfarçável incapacidade para levarmos um país para a frente. Também podiam ir a Bragança. E a Faro. A Sagres. A Viseu. Eu sei lá.
É que não é só um Hospital Central, é a economia. É isto não mexer. Não andar. O Hospital Central, se já estivesse aberto, gerava muita coisa. Nem deve ser visto como despesa. É economia, há muita coisa à volta. Mas levam-se estas eternidades. E depois, quando aberto, não haverá médicos, porque também não se consegue resolver a crise na Saúde. Não se consegue pôr o Estado a concorrer com os privados, a trazer de volta os médicos, pagando-lhes bem e dando condições. Lá está, as condições são, por exemplo, estes hospitais novos que nunca mais são feitos. E também não se pode pagar bem, ora porque depois queixa-se não sei quem, ora porque viola a lei 74 barra qualquer coisa de 1540. E pronto, não se faz nada.
Passam-se apenas notícias de desgraças, porque deve ser assim, com sensacionalismo e comiseração, que as coisas acontecem. Deve ser assim que se evolui.
Nota: Na televisão, enfim, já não estão a falar do Médio Oriente. Agora está Donald Trump a falar, em directo, à entrada ou à saída de um avião. Está a dizer coisas importantíssimas, da maior importância, muito mais importantes do que o futuro e o desenvolvimento do nosso país. Mas é que nem tem comparação possível.
[Crónica originalmente publicada na newsletter Agora a Sério.]


