Sexta-feira, Março 29, 2024
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Mau tempo nos canais

Meia-dúzia de jornalistas preparados para o pior, corajosamente na rua, correndo riscos de vida ou mesmo de uma molha, para informar as populações em primeira mão.

Nos últimos dias, por causa das chuvas das 1001 noites em Lisboa, desenvolveu-se um intenso debate sobre os alertas de mau tempo. Será a nossa meteorologia demasiado histérica ou perigosamente tímida? Devemos ler as previsões com ironia? Por exemplo, quando dizem que está uma chuva dos diabos, será porque não está assim tão mal? Ou quando falam em aguaceiros, será porque o céu vai desabar? A literatura portuguesa está carregada de figuras de estilo. Pode ser que a meteorologia também. Vamos ver.

Em primeiro lugar, é fundamental lembrar que os meteorologistas não têm um trabalho assim tão fácil. Nem eles nem ninguém que trabalhe com matérias do foro do clima. Para nos conseguirmos colocar nos seus lugares, basta pensarmos num dia de vento e tentarmos seguir uma rabanada, prevendo em seguida o seu caminho. “Desvia-te, querida, que vais levar com uma rajada dentro de minuto e meio”, é uma coisa que nunca se ouviu. Porque, pior do que na tecnologia, as coisas mudam muito rapidamente na meteorologia.

Perante isto, resta-lhes, com o conhecimento que existe, fazer as melhores previsões possíveis e com base nestas previsões são então determinados os avisos e lançados os alertas. Até aqui está tudo muito bem. O problema é quando se entende estes avisos como informação para o cidadão comum. Imagine-se o Simplício, de manhã, a constatar que está alerta laranja e a organizar o seu dia em função dessa informação. “Jorge, lamento ter de cancelar o nosso almoço, mas podem verificar-se rajadas superiores a 120 km/h”, também nunca se leu numa mensagem. A diferença, para o cidadão comum, entre um alerta laranja e vermelho é um pouco mais de amarelo. Há, aliás, muitos cidadãos comuns que até estavam a pensar ficar em casa, mas como está alerta vermelho talvez saiam.

Ora, se não são para os leigos, os alertas e os avisos devem então servir para as autoridades e comunicação social, que tem essa nobre função de informar. Para as autoridades, é evidente a utilidade dos avisos. Podem preparar-se e estar de prontidão. Para a comunicação social, algo parecido e é justamente nela que nos vamos concentrar.

Normalmente, não são os avisos que falham. É a comunicação social. Quando foi da chuva das 1001 noites em Lisboa, que obrigou o autarca lisboeta a ir ao Leroy buscar materiais para arrancar à pressa com os túneis de drenagem, as previsões já tinham sido feitas. Acontece que, naquele caso, as previsões nem eram assim tão relevantes. Bastava olhar pela janela. Pelo Twitter, por exemplo, encontraram-se muitos utilizadores que não são nem meteorologistas nem jornalistas a dizer que se estava perante o apocalipse. Estes tweets foram horas antes das primeiras notícias, porque as notícias já foram todas para ver os estragos. Ora, o papel da comunicação social não é só relatar o que se passou, mas o que se vai passar (quando é possível) e o que se está a passar.

Sucede que a imprensa hoje não é na rua, é no computador, à espera do e-mail. Já não se olha pela janela, só para um ecrã. Era a comunicação social que podia ter evitado aquela fatalidade em Algés e muitos prejuízos em diversos negócios, tivesse ela interrompido os seus interessantíssimos programas sobre futebol ou intriga política, para relatar o que se estava a passar. Nada. Primeiro esperam que as equipas vão até um local porreiro, com boa vista para uma tragédia, e lá começam a fazer directos, já com o caldo entornado.

Depois, nos dias seguintes, já se preparam para o que não acontece. Assisti, há dias, a um directo de Braga porque havia previsão de chuva forte. Depois Vila Real. E Aveiro. Meia-dúzia de jornalistas preparados para o pior, corajosamente na rua, correndo riscos de vida ou mesmo de uma molha, para informar as populações em primeira mão. Mais ridículo era difícil.

Ou seja, as previsões nem falham assim tanto, falham o que compete a algo a que se dá o nome de previsão falhar. É a diferença entre uma previsão e uma certeza, sendo que mesmo esta pode ser relativa. A grande falha é de quem tem por missão informar, ao minuto, ao segundo, e de fazer os verdadeiros alertas. Porque já não se tratam de previsões, mas de verificações. De olhar pela janela. De mais repórteres e menos e jornalistas.

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