As leituras dos resultados eleitorais na Madeira devem ser feitas com moderação. Tratamos de um microclima político, como são sempre as regiões autónomas e ainda para mais ilhas. Estamos a cerca de mil quilómetros de distância do Funchal, com um oceano pelo meio e nem sempre conseguimos aterrar. Estamos mais perto de Madrid, apesar de ser igualmente difícil lá chegar. Há tantos comboios a sair de Lisboa para Madrid como para o Funchal. Parece mentira, mas é verdade.
A distância importa e importa muito. Basta comparar o preço do m2 em São Bento e em Portalegre. São sistemas políticos fechados, estanques. A autonomia dos partidos chega ao ponto de parecerem muitas vezes partidos diferentes. Isto podia levar-me à minha tese antiga sobre a volatilidade das convicções políticas – tantas vezes confundida com incoerência -, mas não vai levar, porque não temos tempo. Só um bocadinho, então. Quando me perguntam se sou socialista, social-democrata, conservador ou liberal, entre outras hipóteses, tenho de responder que não sei, porque depende. Lamento, mas não consigo perceber quem aplica a mesma solução para tudo, num mundo que é tão diferente.
No bairro da Lapa – agora Estrela – se calhar posso ser mais liberal do que em Portalegre – voltamos a Portalegre, porque é sempre um prazer. O contexto é fundamental para me definir. Só os princípios não se alteram, mas os meios são muitos. Portugal – para não falarmos dos outros pelas costas, porque fica mal – tem várias realidades. Bom, Portugal tem imensas realidades, muitas mais do que devia. Vamos do máximo luxo às barracas, o que pelo mundo não é raro, mas no contexto europeu já nos devia causar alguma vergonha. Lá está, a distância, sempre a distância. Também ninguém manda em nós.
Sobre estas várias realidades, para tal também contribuiu a visão ortodoxa dos partidos, que seguem orientações ideológicas de altíssimo nível, aplicando a um país desigual soluções iguais. Sem surpresa, as desigualdades sobrevivem.
Voltando à Madeira, é muito raro poder-se fazer leituras políticas, porque são outros partidos, outros protagonistas, falamos de uma política local apesar da sua dimensão de governo. Estas eleições são, porém, a excepção. Podemos fazer algumas leituras – na verdade, apenas uma – destas eleições regionais na Madeira. Há um denominador comum entre elas, a origem é a mesma. Estava e está em causa a idoneidade das figuras que concorrem. São eleições que ocorrem sob suspeita. Ou sob suspeitas. Nesta medida, podemos avaliar o comportamento do eleitorado.
Entretanto, Luís Montenegro já se colou à vitória do PSD e Pedro Nuno Santos já se descolou da derrota do PS. Como discutimos aqui há dias – em Quem ganha isto? – temos o efeito-Trump a funcionar. Montenegro já pode dizer o que quiser e fazer o que lhe apetece. Já levou com as notícias todas, com a oposição em coro a chamar-lhe nomes, agora pode passear-se de faca nos dentes e blusão de cabedal. Ganha o PSD na Madeira, com os problemas que se conhecem, mas não há crise. Já não é preciso disfarçar. Já fomos apanhados, agora precisamos é do apoio do povo, que quer ficar rico como “nós” – nós, os governantes, claro, porque eu preciso que continuem a subscrever esta newsletter, se entenderem que vale a pena, porque se não entenderem podem subscrever à mesma, lá por que razão foi não quero saber nem gosto de me meter na vida das pessoas. Até pode ter sido engano.
[Crónica publicada originalmente na newsletter Agora a Sério. Subscreva.]
Ora bem, o tempo dos valores políticos e das ideias já lá vai. Pode voltar – provavelmente -, mas por agora não é isso que mais ordena. Ninguém quer liberdade – que já se dá erradamente por adquirida – quer-se dinheiro. Sobretudo no eleitorado mais jovem, ninguém quer saber se tem avença, se deu a obra ao amigo, se meteu ao bolso, querem é alguém que transforme isto no Dubai ou o que esteja mais próximo de conseguir realizar esse “sonho”. O Ronaldo também foi para a Arábia Saudita. Como não podemos ir todos, tem de vir a Arábia Saudita até cá. E, que eu saiba, são poucos os que se preocupam com estes regimes.
É nesta lógica que acho este reality show de ética muito arriscado e o resultado na Madeira parece comprovar esta teoria. Muito arriscado para a oposição, claro. O Partido Socialista tem os problemas que tem, nomeadamente com o actual líder – e vai arrancar entretanto, ainda que por poucas horas, o julgamento de Sócrates. Até a líder do PAN tinha ligações a uma empresa de fruta fora de época, mas se for preciso também lhe descobrem uma quota numa ganadaria de toiros de lide. O Chega é o que se vê, um líder que se fez gente como braço direito de Vieira e até malas desviam. No Bloco, já especulavam com imobiliário, agora despedem jovens mamãs a amamentar, entre outros problemas de coerência. O PCP, pronto, problemas destes não tem, mas tem outros, muito IMI a pagar graças a prédios em barda e diferentes posições quanto a guerras no mundo, dependendo de quem as começa. Até o líder do Livre já apareceu fotografado num colégio de luxo, em Lisboa.
Não faço acusações nem absolvições, limito-me a analisar e a tentar apresentar o contexto actual. Isto é o que o eleitor – justa ou injustamente – vê. As avenças de Montenegro dizem-lhe pouco. É “igual aos outros”. Pedro Nuno Santos, que podia ter dado o veneno de Montenegro a provar ao próprio, está agora feito ao bife. Terá de passar uma campanha inteira a lançar suspeitas e acusações por provar. O outro vai andar a prometer fazer e acontecer, enquanto o PS só terá avenças para mostrar. Não tarda já ninguém pode ouvir falar em avenças e em ética, mas nestas eleições é o trunfo que o PS tem e esta culpa já só se pode atribuir à sua liderança, que não sabe o que é realpolitik, governando-se pelas redes sociais. Talvez seja a virtualpolitik.
E cá, como na Madeira, lá se ratificará tudo e todos, com a mais soberana das assinaturas. A popular. Com os dados que temos – continuo a achar que é a campanha que vai decidir -, é a aposta que faço.