Apesar do estilo de condução sempre agressiva e da quantidade de aceleras em Portugal, está visto que não gastamos muito em pneus. Só assim se explica o desprezo do Guia Michelin por Portugal. O completo desprezo. Lá se fez um Guia só de Portugal – ainda que permaneça gerido por Portugal & Espanha, ou seja, só Espanha -, mas creio que tal só acontece porque o Estado, através de organismos públicos, atira para lá dinheiro. Dito de outra forma, estamos a pagar.
Depois de assistir à gala desta noite, fui ao meu carro, confirmei que tem Pirelli e voltei para dentro. Se tivesse Michelin, ia dormir para a porta da Garagem Rio de Janeiro e mudava os quatro à primeira hora.
Não é a primeira vez. Já escrevi mais vezes sobre o Guia Michelin, em vários espaços. Reclamei quando Portugal era um suplemento do Guia de Espanha. Agora que é um Guia de Portugal (mais ou menos), reclamo porque estamos muito longe da distinção que merecemos. Estou, portanto, farto do Guia e de que em Portugal continue tudo a roer as unhas para receber estas estrelas cadentes.
Eu sei que este Borda d’Água – com todo o respeito pelo Borda d’Água, que nunca enganou ninguém – continua a representar muita facturação para os restaurantes. Sei que ainda arrebita negócios. E dá cabo deles. Mas isso sucede, justamente, porque lhe continuamos a dar importância e manda o pioneirismo que se comece a seguir outros conselhos. O mundo mudou. Ir ao Guia Michelin ver onde se janta equivale a abrir um mapa do ACP para chegar a Barrancos.
Antes de nos atirarmos à gala propriamente dita, impõe-se uma nota. Nada disto é sobre restaurantes de luxo. A gastronomia é parte importante da identidade de um povo. Para além disso, é uma indústria. É trabalho, emprego, economia, riqueza. Quando eu dou prémios aos melhores ou aos que se diferenciam – porque não é de ser melhor que se trata -, estou a dar prémios a todos, mesmo à tasca – tasca a sério, não é tascas modernas – de que tanto gostamos. Este tipo de reconhecimento alimenta toda a economia, todos ganham, todos melhoram e crescem, restaurantes, fornecedores, toda uma cadeia. E assim, isto não é apenas sobre “estrelados”, nem sobre luxos, é sobre a gastronomia portuguesa, sobre o nosso país, a nossa economia e uma injustiça tremenda.
Mas vamos lá então ao espectáculo. Esta foi a segunda gala – segundo ano – desde que há Guia Michelin Portugal. Lamentavelmente, o director-geral do Guia não esteve presente, tendo enviado um vídeo. Vá lá, conseguiu um bocadinho para gravar. O cavalheiro não pôde vir e justificou com o facto de o Guia Michelin estar em expansão. Ou seja, o director-geral do Guia Michelin não veio à gala do Guia Michelin Portugal porque estava com trabalho. E ninguém se levantou daquela sala e saiu. O director-geral do Guia Michelin teve de mandar um vídeo porque… está a trabalhar. Ainda se tivessem marcado a gala para um sábado, talvez pudesse. O homem não foi capaz de apanhar um avião para o Porto e nem sequer apareceu no vídeo rodeado de homens armados, simulando um sequestro. Não, disse mesmo que tinha outras coisas para fazer, a tal história, de que o Guia está em expansão. Sim, está em expansão, por exemplo, em Portugal. Não!?
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