Não sendo fã do Festival Eurovisão da Canção, antes pelo contrário, entendi que um comentário meu sobre o evento podia ter algum interesse, porque não haverá maior distanciamento. Quando se gosta de alguma coisa, perde-se um pouco em visão, já todos sabemos.
Ora, comecei a ver a final do festival já nas votações. É incrível, mas é verdade. Quando comecei a ver ainda nem sequer tinha ouvido a canção portuguesa. Não tinha ouvido qualquer canção do festival. Ainda assim, mesmo perante toda esta indiferença, quando um país não dava qualquer ponto a Portugal só me apetecia invadi-lo de imediato com os submarinos.
Às vezes interrogamo-nos sobre como é possível tantas guerras, tantos conflitos, ainda agora outra vez na Palestina, mas depois sentimos um impulso estranho ao ver que um país simplesmente não gostou da nossa canção. Éramos capazes de reduzir a pó uma nação até aqui amiga só porque pronto, entendeu que havia outras canções melhores. E, repito, eu nem sabia qual era a canção portuguesa. Mas era capaz de introduzir o código das bombas atómicas que temos escondidas na Serra do Caldeirão.
Entretanto, uma nota diplomática para falar de San Marino. San Marino só existia para a Fórmula 1, os Jogos Sem Fronteiras e o Festival Eurovisão da Canção. Ou seja, se por algum motivo acabam com o Eurovisão da Canção… não vamos falar disso agora. Mas se San Marino entra, nós também podíamos ter entrado com Sintra ou mesmo Odemira.
Sobre as votações, que foi, grosso modo, a única coisa que vi, são um pouco confusas. Os países dão umas pontuações e depois aparecem as pontuações do público que são às pazadas, ou seja, deram uma volta grande aos resultados. Acreditei, devo confessar, que tínhamos comprado aquilo e que quando chegasse a nossa vez iríamos receber mil pontos do público, até ia ficar uma ambiente chato na sala, pois tínhamos exagerado.
Mas não. Ficámos a meio da tabela. Fui então ouvir a canção portuguesa, já com Itália no palco a festejar. A canção portuguesa era bastante boa, mas não tinha nada a ver com a Eurovisão da Canção. Estavam completamente deslocados. Para se ir à Eurovisão da Canção, tem de se parecer, ao longe, um gelado daquelas geladarias dos anos 90. Imensa coisa, cores, pepitas.
Eu sei que Salvador Sobral ganhou o festival com um aquele ar de vim aqui mostrar-vos o que é música e não me ralo se levar zero pontos, mas isso foi um acontecimento extraordinário, talvez só equiparável ao golo de Éder. Aliás, foi tudo mais ou menos na mesma altura, pelo que é legítimo pensar em alinhamentos cósmicos que nos ultrapassam.
Numa situação normal, para ganhar a Eurovisão é preciso parecer da Eurovisão, ou seja, um gelado. Digo eu, que não faço ideia de quem ganhou a Eurovisão nos últimos tempos, excluindo o Salvador.
Mas também ouvi a música italiana, vencedora do Festival. “Rock n Roll never dies!”, gritou o vocalista Damiano David, mas depois olhei bem e as guitarras não tinham cabos ligados. Ainda perguntei no Twitter se já havia guitarras por Bluetooth. Explicaram-me que já há, de facto, instrumentos musicais sem fios, mas que naquele caso era playback de instrumentos, só a voz era ao vivo. Igual para todos, penso eu.
Espera… um festival da canção? Com playback? Eles não estão a tocar mesmo? Estão a fingir? Digam-me que é mentira. Isso tem um nome: é karaoke! Cantar ao vivo com a música em playback é karaoke. E o Damiano tem coragem de gritar “Rock n Roll never dies” e depois vai mandar uma rockalhada com guitarras desligadas da corrente? O Rock n Roll morreu um bocadinho, claro. O Rock n Roll, se fosse uma pessoa, ao ver aquilo, dava-lhe um fanico.
Havia a suspeita de que o vocalista italiano tinha consumido droga durante o festival, informação que não se confirmará, mas eu percebia perfeitamente se ele tivesse procurado uma “ajuda”, porque Rock n Roll em karaoke não é qualquer um que aguenta.