A AD – Coligação PSD/CDS – é assim que se chama depois de perder parte significativa da sua força eleitoral com a saída de Gonçalo da Câmara Pereira… aliás, vamos começar por aí. Uma pessoa está a brincar, mas tinha alguma graça que a AD – Coligação PSD/CDS tivesse 8% e o PPM a maioria absoluta. Vamos imaginar que dois milhões de eleitores decidiam votar no PPM, só por pirraça – que até é um bom argumento para se votar no PPM, a pirraça. Não vejo outro.
Agora imagine-se Luís Montenegro, na noite eleitoral, a ligar a Gonçalo da Câmara Pereira, felicitando-o, depois de o acordar, pela vitória. E o líder do PPM, ainda estremunhado e sem perceber muito bem o que acabou de acontecer, a oferecer-lhe avenças em Arronches. No talho, por exemplo. – Sim, o Júlio diz que precisa de tratar da protecção de dados, porque tem as encomendas todas escritas à mão num papel e diz que não pode ser, toda a gente vê quem é que pediu o quê, podias ajudá-lo com o RGPD do talho.
É verdade que a graça de ver o PPM vencer as eleições legislativas com maioria absoluta é um pouco relativa e comportava riscos, mas lembro-me sempre do meu voto em Vitorino Silva – Tino de Rans -, numas presidenciais, e de como fiquei desiludido. Julgava estar a votar no candidato mais brincalhão, só mais tarde realizei que era o professor Marcelo. Estava enganado.
Mas a AD – Coligação PSD/CDS, dizia eu, tem novo hino. “Deixa o Luís trabalhar”, assim se chama. Ora, quem é que se lembrou, numas eleições que se devem à suspeita de que o primeiro-ministro continuou a receber por biscates, de pedir para deixarem o Luís trabalhar? Isto só pode ter sido um unicórnio, daqueles novos, acabados de sair da fábrica. O eleitorado também já tem hino: “Mas trabalhar onde? Em qual delas? Estou confuso!”
Entretanto, é fácil perceber as ligações ao “deixem-me trabalhar” de Cavaco Silva, mas o Aníbal, na altura, pedia para trabalhar apenas no Governo e para o país, não se vislumbravam segundas intenções. Também se falava de uma bomba de gasolina, mas era do pai, que não o deixava fazer lá nada porque o filho nunca teve jeito para automóveis. Um dia, a chegar à Figueira da Foz, espetou-se com um Citröen novo na liderança do PPD/PSD.
Já este “Deixa o Luís trabalhar” moderno, de Montenegro, parece um cheque em branco. Deixa o Luís trabalhar, em geral. Vamos lavar o carro num sábado de manhã e na pré-lavagem, com a pistola de alta pressão, lá está o Luís. Pronto, o primeiro-ministro arranjou mais um trabalho, desta feita ao sábado, para ajudar com as contas. E desta vez não precisa de passar a pistola para as mãos da mulher e depois dos filhos, porque o povo já o deixou trabalhar.
Seja qual for o ângulo, este “Deixa o Luís trabalhar” é um erro. Aquele eleitorado que já votou na AD e que pode voltar a fazê-lo, mas sobretudo o eleitorado que não votou na AD e pode fazê-lo pela primeira vez, querem todos ouvir o Luís a pedir para governar. Trabalhar trabalham os filhos, que um deles até já tem o curso de gestão e o outro não é mais calão, creio que é apenas mais novo. No limite, o hino podia ter sido “Deixa o Luís governar e os pequenos trabalhar”. Isto sim, faria sentido.
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