As silly seasons já não são o que eram. Estamos em pleno Agosto a discutir alterações à lei laboral. Não se admite, não devia ser permitido. O secretário-geral do Partido Socialista ainda tentou, com uma publicação numa rede social, pôr o país a discutir o almoço que confeccionou no seu primeiro dia de férias – quem não viu, não procure a imagem, é só um salmão assassinado pela segunda vez, num prato com gatinhos coloridos que nos levam a confundir os próprios gatos com a comida -, mas a senhora ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social conseguiu dar uma entrevista à TSF e ao JN que ainda saiu pior do que o prato de José Luís Carneiro.
Por agora, vamos falar do tema da amamentação – as alterações à lei são mais vastas -, porque foi o que deu azo ao comentário mais escandaloso. Repare-se então, só mais uma vez, como estamos em Agosto a falar de amamentação e não é de amamentação a gin ou medronho, como seria normal.
Na mencionada entrevista, a senhora ministra conseguiu sugerir – não levava números, o que é pena – que há mães a prolongar a amamentação para beneficiarem da redução de horário. Nas alterações à lei, o Governo prevê que tal prolongamento só se possa fazer até aos dois anos da criança, quando actualmente pode ser até entrarem na faculdade ou mesmo até se tornarem professores universitários jubilados – passe o meu exagero, mas foi a forma que encontrei para dizer que não há limite. A única exigência para a extensão a partir dos 12 meses – salvo erro é a partir dos 12 meses, podia ir confirmar esta informação, mas só para os subscritores que pagam, claro – é um atestado médico, que tem de ser renovado.
Ora, desejando a mãe continuar a amamentar a criança e não podendo ainda a criança revelar se quer continuar a ser amamentada -, nenhum médico vai negar tal pretensão, sobretudo quando há um consenso científico em torno dos benefícios do leite materno. Excluindo condições específicas que agora não me ocorrem – talvez por não ser médico -, não haverá grandes argumentos para inviabilizar o prolongamento da amamentação. O interesse do atestado pode então residir pela negativa. É possível numa avaliação médica perceber-se se a amamentação está mesmo a ocorrer. Por esta via, eventuais abusos podem ser combatidos, sem se retirarem os direitos a quem cumpre.
Regressando então à lei, ou às propostas de alteração, este limite até aos dois anos de idade da criança – não se lembraram de fixar o tecto nos dois anos de idade da mãe e assim já nenhuma podia amamentar, nem sequer um recém-nascido – também não é uma coisa assim tão reaccionária, devemos reconhecer. É uma medida que pode ser discutida e que, em bom rigor, até estará em linha com as práticas europeias. Portugal tem, até ver, uma política mais favorável. Ou seja, o problema nem está na proposta, mesmo quando discordamos dela. O escândalo reside nos comentários da senhora ministra, porque ligou a amamentação – mais concretamente o seu prolongamento – a abusos e aproveitamentos vários das trabalhadoras. Grosso modo, na opinião da senhora ministra, a mãe é que mama.
Apostava todas as minhas poupanças – o risco é pequeno, admito – em como sim, há abusos, mas o que me aflige é esta mentalidade dos governantes que desenham as políticas só a pensar neles. Melhor explicando: A senhora ministra terá indicações – números se tem, mais uma vez, não os levou – de que há abusos, de que há mães a invocar a amamentação para poupar umas horas de trabalho. Certo. Mas será que a senhora ministra tem alguma ideia sobre as mães que puderam continuar a amamentar até mais tarde graças a esta legislação? Este outro lado parece não importar quando só se é inspector de abusos. Claro que combater abusos é muito importante – e deve ser um desígnio -, quando só se olha para eles é que me parece que se anda com redução de horário há muito tempo e não se conseguiu ver mais nada.
Diz a senhora ministra que crianças com dois anos já comem outras coisas e portanto as mães não precisam de uma redução de horário para dar de mamar. Podem dar de manhã e à tarde, por exemplo. Claro que a senhora ministra mora em Lisboa – imagino eu -, no centro, a dez ou quinze minutos do ministério. A senhora ministra não sonha com aquelas vidas de quem se levanta às seis e chega às oito. A senhora ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – prepare-se para a ironia – não imagina que há mães de bebés com estas idades que mal vêem os filhos, vivendo metade da vida nos transportes públicos.
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