Isto do preço dos combustíveis tem alguma graça. Bom, desde logo para quem vende os combustíveis. E não falo do dono da bomba, mas do dono da bomba que enche a bomba, se é que me faço entender.
Nós, os portugueses, sempre fomos bastante furtados na estrada. É verdade que não precisamos de sair de casa para ter de pagar, mas na estrada é particularmente visível a subtracção. Como já disse várias vezes, a culpa é do povo. Tantas vezes disse “vão mas é roubar para a estrada”, que foram mesmo.
Ora, vamos lá. Os portugueses são aquele povo que pode observar, em bonitos e electrónicos painéis nas auto-estradas, o preço dos combustíveis ao longo do caminho, em tempo real. Tal informação permite escolher, então, o posto mais económico. Sucede, por lamentável conjugação astral, que os preços são sempre rigorosamente os mesmos, desde o primeiro dia. Da minha incompleta passagem por uma faculdade de Direito, recordo-me de esta conjugação não ser considerada astral. Mas a minha faculdade de Direito era a da Universidade de Lisboa, pelo que podia, já naquele tempo, o corpo docente andar mais interessado no corpo discente. E quando não se tem atenção nas aulas…
A verdade é que combinam os preços nas nossas barbas e o que fizemos nós? Aquilo que, mais coisa menos coisa, fazemos sempre. Nada. Pagámos e calámos. É a vida. São “eles”. Devíamos fazer uma nova religião em torno de um deus Eles, que tememos e adoramos.
Entretanto, o simpático executivo, que está há anos a explorar a exploração com os combustíveis, meteu a mão na consciência – num gesto que já pode fazer parte das cerimónias em honra d’Eles – e diminuiu o imposto, pregando aos fiéis o valor da poupança. Lamentavelmente, as petrolíferas não são crentes e por isso encaixaram parte do desconto, aparecendo então nos postos um valor superior àquele que foi prometido. É milagre.
Fulo, o primeiro-ministro vai ao Twitter dizer que já baixou os preços e pede então ao povo que verifique com atenção a factura. Costa pede isto porque já sabia que tinha sido enganado. Mas quer que o povo olhe para a factura com a mesma cara de parvo com que olha para os painéis das auto-estradas ou prefere que o povo ponha, desta vez, outra cara? Pode experimentar-se o espanto.
Determinado a defender o seu povo, Costa joga então o trunfo da ASAE. A ASAE está atenta, garante. Ah, bom. Imagino as pernas das petrolíferas a tremer com a ASAE, pobre autoridade, que nem tem grande margem para intervir. Mas ainda que interviesse, pronto, levantava um auto que os departamentos jurídicos das petrolíferas teriam o maior gosto em contestar; e a decisão, com sorte, chegava quando já se tivesse acabado o petróleo no planeta.
O problema – e estou a terminar, se chegou até aqui tem um desconto de 6 cêntimos/litro – é que os governos não põem esta gente toda em sentido, nem este governo nem os anteriores e provavelmente o próximo também não. O Estado, quando as companhias passam a ter alguma dimensão, encolhe-se. Ao ver que o desconto do imposto não foi reflectido no preço dos combustíveis, o Governo podia ter metido logo a autoridade tributária em acção, abria os processos e ficava tudo impedido de aceder a fundos, apoios e qualquer tipo de benefícios – incluindo bazucas – fosse qual fosse a área, nomeadamente as bem-aventuradas renováveis. Acabava-se logo ali a brincadeira. E é isso que acontece a qualquer desgraçado que tente ludibriar o Estado: é liminarmente condenado ao degredo.
Mas não. O primeiro-ministro mandou o povo ir ver a factura com atenção, como já vê com atenção os tais painéis. E mais: também mandou a ASAE. Pode ser que o combustível esteja fora de prazo.