A notícia dos transportes gratuitos em Lisboa foi manifestamente exagerada. Antes de mais, uma graça para desanuviar, porque o tema é bastante pesado. Sabem como é que se chama a viatura oficial do presidente da Câmara de Lisboa? Porta-moedas.
Agora, com tudo mais relaxado, vamos ao que interessa. A Câmara de Lisboa vai oferecer transportes públicos gratuitos, mas só aos residentes com mais de 65, aos com menos de 18 e acima disto só se forem estudantes e residentes em Lisboa. Estudar em Lisboa não chega, é preciso estudar e dormir, não ao mesmo tempo, por favor, porque nem se dorme bem nem se tem boas notas.
Mas vamos lá então obliterar esta ideia.
Em teoria, os residentes em Lisboa com mais de 65 anos já optam, com frequência, pelos transportes públicos. Se não optam, então também não é uma poupança tão insignificante (creio que já tinham preços reduzidos) que os fará mudar de ideias, porque a partir de uma certa idade é muito difícil mudar de ideias. Uma teimosia que gera, aliás, os chamados conflitos geracionais. Mas como digo, em teoria, esta será a faixa etária que já usa os transportes públicos ou então não usa, pelo menos até estacionar um dia o carro e nunca mais se lembrar onde foi.
Agora vamos aos residentes em Lisboa até aos 18 anos. Não será difícil convencê-los a não usar o carro, porque já estão quase convencidos com aquela norma do Código da Estrada que só lhes permite conduzir com mais de 18. Claro que há um ou outro que conduz sem carta, mas estou convencido que esses, quando vão de transportes públicos, também nunca pagaram. Porque é um estilo de vida. Os putos que andam pendurados no eléctrico, por exemplo, duvido que percam tempo a tirar o passe gratuito para continuarem a ir pendurados no eléctrico. É que não é tanto a gratuitidade daquele lugar no exterior do eléctrico, é mesmo a aventura e possibilidade de cair durante o percurso e ser passado a ferro por um tuk-tuk. Isto não se paga, Dr. Moedas.
Com mais de 18 anos, se forem estudantes, então também podem andar de transportes públicos sem pagar. E no interior. Desde que sejam residentes em Lisboa, repito. É preciso ter em atenção que esta autarquia só tem olhinhos para quem reside em Lisboa. Tanto que quem mora fora pode vir a ter que usar uma fita na cabeça para circular em Lisboa e só em algumas zonas, porque as principais vão ficar exclusivas para residentes. Fitinha na cabeça. Só para se saber quem eles são! Se não querem, então fiquem lá na terra deles, porque também ninguém os convidou.
Voltando aos estudantes, se um jovem foi para o ensino profissional e já tem um trabalhito numa oficina… paga. O estudante de aquitectura pode andar à borla, mas o jovem que foi trabalhar – e, parecendo que não, trabalhar também é preciso, porque o arquitecto só faz o pilar no papel, na própria casa tem de ser outro – esse jovem já terá que pagar o transporte público. É caso para dizer, estudasses.
Eu não sei como é que a autarquia chega à conclusão de que isto vai fomentar mobilidades e sustentabilidades. A faixa etária que precisava de ser convencida a trocar o automóvel pelo transporte público é justamente aquela entre os 18 e os 65 anos. Tem graça. Carlos Moedas lançou-se na guerra de convencer quem já anda de transportes públicos a continuar a andar. Suspeito que ele possa sair vitorioso disto. Não aposto, porque tenho de guardar o dinheiro para o passe, mas acredito que sim, que o arrojado autarca pode ganhar esta luta.
Calma agora, porque a história não fica por aqui. O mesmo Moedas pretende oferecer uns minutos de estacionamento aos residentes. É sempre aos residentes, não esquecer. Os outros, fita na cabeça! Portanto, a grande ideia é reduzir a circulação de automóveis, mas oferece-se o passe a quem já anda de transportes e um desconto no estacionamento a quem usa o carro. Se isto não é genial, então é porque se calhar não é mesmo. O número 2 da autarquia terá dito, se li bem, que querem é travar a entrada de carros na cidade. Lá está. Não tarda fecham isto com muros. O forasteiro para entrar em Lisboa tem de tocar o sino, um guarda abre o postigo e grita “ao que vem!?”. “Ao dentista, senhor”. “Estamos fechados e os dentes que lhes restam chegam perfeitamente”, pumba, fecha o postigo, obrigando o forasteiro a voltar para trás.
O melhor até será, agora que penso nisso, para quem reside fora de Lisboa mas tem de ir à capital, comprar uma casa, fazer o que tem a fazer, e vendê-la ao fim do dia.
Entretanto, Moedas mostrou-se particularmente entusiasmado com a medida dos transportes gratuitos para os jovens, porque usando os transportes vão ganhar esse hábito. Lá está, não sei como é que Carlos Moedas pensa que os jovens até aos 18 anos circulavam até ele chegar à autarquia. Mas sei que, agora, quando tiverem 18 anos podem ter a carta de condução e um desconto no estacionamento, o que consiste num incentivo ao uso do transporte público nunca visto.
Mas pronto, segundo eles, Lisboa é pioneira nisto dos transportes públicos gratuitos, ao lado de outras cidades europeias. Duvido que noutras paragens o transporte público gratuito tenha estas condições, mas também não me arrisco a ir ver, porque é melhor não se sair da cidade. Ainda nos acusam de traição e não nos deixam voltar.