Quarta-feira, Abril 30, 2025
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Quem ganha isto?

É muito arriscado fazer previsões nesta altura, mas já se podem fazer algumas leituras. O que pode salvar a AD? O que é o efeito-Trump? Está o PS preparado para um concurso de ética?

Ainda soa um pouco estranho, mas há mesmo eleições legislativas dentro de dois meses. As apostas não são fáceis e as sondagens vão andar aos papéis. Há muitas variáveis, mais do que é costume, porque não está só a política em jogo. É cedo, portanto, para arriscar um resultado, mas já podemos fazer algumas leituras.

Vamos começar pela AD, que está na origem da crise, mais concretamente o seu líder. Em teoria, sendo responsável pela crise, sofre eleitoralmente. Pela minha parte, tendo votado na AD, recuso-me a fazê-lo com esta liderança. Admito até que não os posso ver à frente e quem acompanha este espaço há mais tempo sabe que os defendi. Defendi por entender que estavam a tomar decisões acertadas; ou talvez seja mais humilde dizer “com as quais concordava”. Sabemos lá se estamos certos. Mas há obra neste Governo, sim. É pena não ser o tema de hoje – mas não muita, porque também não apetecia.

Quanto à quebra de confiança, o problema já não é tanto as avenças e a empresa, isso teria tudo solução, sendo a melhor delas o afastamento do primeiro-ministro. O mais grave nesta altura e insistindo – porque já o defendi por aqui -, é continuarem a tomar-nos por lorpas. Isso é que ninguém gosta. À excepção dos próprios lorpas, que não levam a mal. A mais recente foi a ministra da Justiça – a ministra da Justiça! – numa rede social, com uma argumentação que só visto. Ou lido. Num dos posts, chega mesmo a dizer que o primeiro-ministro só se preocupou com os filhos, como qualquer um de nós. Onde é que isto já vai!?

Estamos a falar da ministra da Justiça. Num país de esquemas e truques, empresas e sociedades, cambalachos e ocultações, testas de ferro e evasões, com o custo que tudo isto tem para a economia e para o Estado, vem a ministra da Justiça chancelar aquilo que é só mais um esquema. Não é um esquema terrível, de uma gravidade extraordinária, mas é um esquema. Um truque. Uma habilidade. Uma chico-espertice. É, não insistam. É. Ponto. Não vale a pena.

Se é razão para eleições, mesmo perante a recusa do chefe do Governo em ser escrutinado (que nem podia recusar)? Essa será outra discussão, não vamos misturar tudo. Aquilo que importa, desde logo, é concordar que se trata de uma atitude censurável e a ministra da Justiça, desde logo por ser da Justiça, tinha a obrigação de, pelo menos, não defender esta nossa tradição tão deplorável de contornar tudo. Porque isso tem muitos custos, sobretudo na Justiça. Enormes custos.

Portanto, o fazerem-nos de parvos é mesmo, para mim, o mais grave. E acredito que é o que vai custar mais votos à AD. Creio que os eleitores não se sentem propriamente enganados, estão sobretudo ofendidos, o que é mais grave. Enganado é o sentimento normal de um eleitor médio. Mas quando se sente ofendido, desrespeitado, aí a conversa já é outra. Perante um eleitor enganado, engana-se mais um bocado. Mas se ele está ofendido, aí é melhor correr.

Está então a AD condenada à derrota, uma vez que deve perder votos que conquistou há um ano?

Não está e por três razões. Se há mais alguma, não me ocorreu, lamento (mas não devolvo o valor das subscrições pagas). Ora, a primeira é a liderança do PS, que não convence. Mas a essa já lá vamos. A segunda é que pode conquistar votos ao Chega, porque naquele milhão e duzentos mil não, não está só extrema-direita, está muito descontentamento e orfandade política, que só ali encontrou voz, apesar de ser aos berros. Suspeito também que muitos votos no Chega não acreditaram que fosse esta a subida (50 deputados), e outros tantos estarão arrependidos perante a qualidade política que se viu do partido, fenómeno que inclui indivíduos que roubam malas em aeroportos. Também por isso a dissolução foi um erro, na medida em que o Chega iria de mal a pior até com certeza um esfaqueamento na própria bancada, a meio de uma sessão plenária.

Portanto, apesar de ser uma época boa ou até excelente para os demagogos que vão “limpar o país”, estas eleições não os encontram numa boa fase e diria que a tendência é de queda. Queda para que lado? Para o da AD, claro, que foi ao encontro de muitas bandeiras conservadoras e de direita, tanto no plano da imigração, como no da segurança, mas não só. Entre os eleitores do Chega, haverá naturalmente quem pretenda dar, desta vez, a maioria à AD.

Com isto, avançamos para a derradeira razão que pode ajudar a AD a salvar-se disto tudo e até, eventualmente, a crescer. Vamos chamar-lhe o efeito-Trump, apesar de não ser o melhor nome. Gostava de me lembrar de outro, mas isto não é como nós queremos, lamento (mas também não devolvo o valor das subscrições pagas). Ora, não há nenhum termo de comparação entre a AD e a administração Trump, que pode, aliás, conservar todos os seus negócios sem estas chatices. O efeito-Trump é outro, é na medida em que a torrente de informações dramáticas acabam por limpar a folha. Eu explico a minha ideia.

A oposição a Donald Trump, tanto a oficial como a oficiosa, optou por carregá-lo de casos e processos judiciais. Havia uns muito sérios, outros muito parvos. A utilização de todos acabou por protegê-lo junto de algum eleitorado. Aquela ideia de “também vão buscar tudo contra o homem” é excelente (neste caso, para Trump), porque também serve para os casos muito graves e sérios. No caso de Montenegro – que é muito diferente, claro -, também pode beneficiar da mesma imunidade. A imprensa está a atropelar-se para noticiar escândalos da casa, das avenças, do hotel, da trotinete eléctrica, do cartão da Makro; às tantas o eleitorado já pensa “também vão buscar tudo contra o homem”. E também aqui, aquilo que é mesmo grave, perde-se. Ninguém liga. Até porque temos todos avenças ou metemos, no mínimo, uma ou outra factura no IRS que se calhar não devia entrar.

As notícias sobre Montenegro estão a render porque estão a ser partilhadas. E assim, vão estar a sair em força, confirmem-se ou não. Lembro aquela do desvio da linha de alta velocidade em Espinho, que salvou a quinta do amigo Violas. Parece que não há ali nada de especial, até porque a notícia morreu. Atiraram o barro à parede e não foi o Correio da Manhã. Pronto, é isto que dá origem ao efeito-Trump. Montenegro está naquela fase que se apanha mais uma ou duas, já não apanha com mais nenhuma. Fica com um escudo. Pode passar a TAP para a mulher e depois para os filhos que o seu eleitorado bate palmas.

Do lado da oposição, o cenário não é melhor. Falemos, por agora, apenas no Partido Socialista. Só para esta breve reflexão não ficar com mais dois volumes do que a Enciclopédia Luso-Brasileira.

Pedro Nuno Santos é um líder fraco, inseguro, que conseguiu assumir parte da responsabilidade pela antecipação destas eleições. Não é o responsável máximo, pois não, mas volto a lembrar que já se podia ter a data do arranque da comissão parlamentar de inquérito e o Governo podia continuar em funções. Bastava um voto táctico na moção de confiança. Não foi essa a estratégia, Alexandra Leitão lá saberá. A influência da agora candidata a Lisboa não é pequena junto do secretário-geral do PS.

Depois, Pedro Nuno Santos terá de andar a campanha toda com a ética no discurso, sendo que não é o líder mais bem colocado para ser o paladino dos bons costumes políticos. Não é nenhuma acusação, mas António Vitorino, por exemplo, ainda tem menos problemas. Vitorino só deve ter um piano e nem é de cauda. Pedro Nuno Santos aprovou indemnizações de meio milhão e passou-lhe, esqueceu-se. É neto de sapateiro, mas o negócio correu bem – o que é óptimo, digo-o sem ironia alguma, negócios e política é que, nos tempos que correm, podem ser um problema. Não sei se o líder do PS ainda conserva ou não uma pequena quota numa empresa de máquinas para calçado, mas teve-a. Ora, essa empresa beneficiou de alguns ajustes directos com organismos públicos enquanto um dos sócios era ministro e autarca em Aveiro, região em que se deram parte desses ajustes directos.

Não levanto qualquer suspeita, mas admito que, quando se está no poder, o ideal é as nossas empresas ou empresas de família não terem negócios com o Estado, porque há muitas que não têm. É verdade que a empresa da família de Pedro Nuno Santos não tem nada a ver com a de Montenegro. É um negócio, uma empresa a sério, tem trabalho e dá trabalho. Não é um esquema para receber avenças antigas. Isto deve ser dito, por uma questão de elementar justiça. Mas, nos dias que correm, haverá algum bom motivo para não se “escrutinar” sempre que, na esfera familiar dos governantes, existirem negócios e negócios com o Estado? Penso que não. Eu vi, nos últimos dias, o líder do PS a dizer que quer apenas escrutinar. Muito bem. Mas então também se deve escrutinar os negócios das empresas que estão ligadas a si próprio, durante o tempo em que exerceu funções no Governo e como autarca? Ou não? Falamos apenas de escrutinar. De tirar dúvidas.

Aqui nos encontramos porque, quer queiramos quer não, é o tema central destas eleições, o próprio presidente reconheceu-o. A culpa não é nossa. É um concurso de ética, com duas provas: Uma consiste em ver qual o candidato que oferece mais confiança. A outra já serve para avaliar a importância que o eleitorado dá à ética do candidato.

Por fim, quanto ao aspecto político – que devia ser o mais relevante, mas é a vida -, o PS também tem um problema. Viabilizou, há pouco tempo, um orçamento e um programa de Governo. Pode argumentar que foi pela estabilidade, e foi, mas viabilizou dois documentos fundamentais para a governação. Por outro lado, Pedro Nuno Santos tem vindo a aproximar-se do centro, estratégia que saúdo por várias razões. Desde logo, prefiro um PS de centro-esquerda, mas isso é uma questão pessoal. Depois, com a questão da guerra na Ucrânia e os tempos que se esperam pela frente, as velhas amizades à esquerda podem custar uma fortuna. Tem de fazer o seu caminho sozinho e para isso convém procurar o eleitorado onde ele está, não onde ele já esteve.

Entretanto, o Governo conseguiu resolver alguns problemas pendentes do anterior Governo, estando em falta o mais sério deles, claro, a Saúde. Mas não é uma campanha fácil para o PS. O que tem para oferecer, pelo menos que compense dar uma oportunidade ao desconhecido? Só a tal ética que reclamam, lá está, mas não sei até que ponto o eleitorado está interessado em fazer esse julgamento, quando não confia em ninguém e numa altura em que o campeonato de futebol pode estar no fim, um campeonato que se espera renhido.

A propósito, talvez tenha respondido à pergunta do título, que cheguei a considerar difícil. Quem ganha? Deve ser a abstenção.

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