Está um senhor em greve de fome junto ao alojamento local do primeiro-ministro, em São Bento. Pela minha parte, pouco me importa a razão que terá ou não. Não sou capaz de avaliar o seu caso. Tenho intolerância a fundos comunitários e à burocracia que envolvem. Quando me perguntam, nos restaurantes, se tenho alguma alergia, “sim, a fundos comunitários”. Agora que penso nisso, falar em restaurantes numa crónica sobre uma greve de fome talvez não seja a coisa mais elegante.
Certo é que, tendo a necessidade de me financiar – o que também não desejo nem ao meu pior inimigo -, procurava uma velha rica, jamais a União Europeia. É que, com os fundos comunitários, ainda temos de meter uma parte. Já a velha, não só financia a 100% como não pede facturas de nada. E fica tudo feliz, nós e a velha. Só os filhos dela é que não, mas isso… não se pode agradar a todos, vemo-nos no Natal.
Não sei, portanto, o que se passou com a horta do senhor Luís, mais o temporal que a levou. Não sei quem tem razão, se o senhor Luís ou o senhor Costa. Mas lá está, pouco importa. Está um cavalheiro em greve de fome, cismado com um processo sinuoso e pouco linear, como tantos nesta nação valente.
Só este facto, sem necessitar de outro, já obrigaria o Estado – na pessoa do Governo – a fazer qualquer coisa. Não era dar o que não é devido, porque então começávamos todos uma greve de fome. Mas é fazer o que pode, nomeadamente uma arbitragem que até já terá sido prometida.
Não se pode ignorar esta greve de fome e não fazer nada, tal como o Estado não pode ignorar um cavalheiro que ameace precipitar-se da ponte. Não importa se tem razão. Não estou a ver a polícia a perguntar-lhe por motivos para tal acto desesperado e então, confirmando-se que tem razão, “ok, apanhamo-lo lá em baixo”.
Noutros tempos, quando foi dos estados de emergência, também um chef muito popular se acampou à porta da Assembleia da República, recusando qualquer tipo de bucha. Não me parece que tivesse grande razão, porque tinham os restaurantes as portas fechadas como praticamente todos os negócios neste mundo. Mas, e bem, o Estado interveio. Nesse caso, o primeiro-ministro também não quis aparecer, mas enviou o presidente da câmara de Lisboa, hoje ministro das Finanças, que garantiu estar a falar, sobre o assunto, com o ministro da Economia de então. Está certo, nada contra. O chef viu as suas pretensões atendidas e suspendeu aquela dieta perigosa, mas eficaz, do jejum permanente. (Não tenham ideias, já patenteei isto. Já estamos a fazer a app para Android e iOS.)
Quanto ao senhor Luís, parece que se ali ficar, ficou. Como não tinha razão, também não tinha direitos, nomeadamente aquele constitucional que obriga o Estado a proteger os cidadãos. Não parece existir o mínimo esforço, que já seria suficiente, porque diga-se em abono da verdade que a vontade será sempre a dele, senhor Luís. E é neste plano que o Estado, na pessoa do Governo, é completamente responsável, pois não pode ignorar a situação em função da razão do desesperado. E há muitos desesperados em Portugal, graças às burocracias várias e injustiças múltiplas, quase sempre acompanhadas de uma bela prepotência pela manhã.
No lugar do primeiro-ministro, convidava o senhor Luís para o palácio, de onde não saía sem um acordo e uma sandes no bolso. Se quisesse voltar para a tenda e para a greve de fome, podia voltar, mas metia-lhe ao lado uma roulotte de bifanas. Ignorar é que não se pode. É que nem sequer é legal.