Começo por lamentar esta circunstância de estar a incomodar a um domingo – a menos que esteja a ler isto noutro dia, situação em que deve substituir “domingo” pelo dia em que está a ser incomodado -, mas a actualidade manda que reflictamos de emergência. E temos muita matéria. Depois da nossa crise doméstica, hoje ainda vamos pôr a mão na consciência sobre o encontro de Zelensky com Trump. A dose é dupla.
Mas primeiro, portanto, a nossa crise política. Já aqui defendi – em Alegres Casinhos – a tese de que os governantes não devem ter negócios, nem sequer no seu núcleo familiar. Tem de se fazer escolhas e a missão política é especial. Traz alguns privilégios, mas inúmeras limitações. Como numa carreira eclesiástica. Ou na magistratura. Tomar posse de um poder público é algo muito especial, de enorme responsabilidade, com deveres específicos inscritos na lei, mas também outros, mais decorrentes da ética e da moralidade, cuja condenação, no plano político, só poderá ser julgada pelo povo soberano, em eleições. Este povo soberano costuma ser simpático, mas essa seria outra discussão.
Também defendi que isto não pode ser uma ciência exacta e acaba por ser sempre uma avaliação casuística. A lei não pode prever tudo. Nem sequer a ética, que tem componente subjectiva. Mesmo a lei depende da interpretação que dela se faz.
Um governante com riqueza criada, com negócios na família, com um passado de empresas, pode não gerar apreensão alguma, por ser conhecido o seu percurso e por ser respeitado. É verdade que terá, se escolher a política, de abdicar de muito, mas a sua idoneidade, em princípio, não estará em causa. O problema é quando se assiste a riquezas criadas sempre na esfera do poder público – governos, autarquias, organizações fraternais, entre outras coisas mais ou menos obscuras. A parasitagem.
É o caso de Luís Montenegro? Tenho de confessar que não sei, não tenho toda a informação. Mas a que tenho chega-me para admitir essa possibilidade e é aí que se quebra a confiança. O próprio concordará comigo, se se puser deste lado, que dá ares de ter construído uma carreira e um pecúlio à base dos contactos políticos. Isto não dará necessariamente prisão, pode não ser crime algum, mas também não promove as condições ideais para se governar um país, para se ter esse privilégio, para se ter o poder executivo nas mãos; algo que é, sublinho este ponto, grave e sério. Não é uma profissão como outra qualquer. Nem é, tão-pouco, uma profissão. E, sim, afecta a família. Vivemos em sociedade, não é possível separar algumas águas. A decisão de liderar um partido e de concorrer a umas eleições deve, mas sem qualquer dúvida, ser uma decisão familiar. Não é pessoal, pode ser íntima, mas não é apenas da própria pessoa.
Mesmo o Presidente da República, lobo solitário – na política e na praia – que não apresenta Primeira Dama – por não existir -, nem expõe a família – que também não será propriamente tradicional -, até ele viu numa irresponsabilidade do seu filho o caso mais grave da sua presidência. O Dr. Nuno não percebeu as funções do pai e enviou para o Palácio de Belém – que não é do pai, é da República, o pai só exerce funções atribuídas constitucionalmente – um pedido especial. E o pai, sem pensar muito bem, foi pedir aos serviços para ver do que se tratava, ignorando que um Presidente, quando pede para ver do que se trata, é para despachar. Isto é particularmente evidente em sociedades como a portuguesa – mas não só -, quando o respeito hierárquico se confunde com a obediência e é muito raro questionar-se alguma coisa.
Mas vamos deixar, por agora, o senhor Presidente da República, até porque estará, a esta hora, a lavar o carro. Numa crise política foi ao Multibanco pagar contas, noutra comer um gelado, permitam-me imaginar que nesta está num Elefante Azul a lavar o Mercedes da Presidência. Nadar espero que não tenha ido, porque o mar está bravo e era só o que nos faltava termos legislativas, autárquicas e presidenciais no mesmo dia.
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