Terça-feira, Março 25, 2025
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O epicentro das crises

Há um denominador comum em todas estas crises. Mesmo quando a responsabilidade não é de Belém, como acontece com esta que atravessamos, ao presidente devemos, pelo menos, o clima de instabilidade.

Seja qual for o tipo de crise, há um denominador comum e é o Presidente da República. O momento que o país atravessa é da responsabilidade, sem discussão, do primeiro-ministro. Foi Luís Montenegro que, perante um comportamento que não é admissível a um político, particularmente a um chefe do Governo, decidiu barricar-se no palacete de São Bento e fazer reféns, que são aqueles ministros todos. Mas o ambiente em que esta crise se dá – esta e todas as crises – é aquele que o Palácio de Belém tem vindo a promover. Um ambiente de instabilidade.

Como já defendi várias vezes, não considero o professor Marcelo um Presidente da República, vejo mais como um comentador com poderes constitucionais. A diferença é grande.

Estou certo que haverá um antes e um depois desta presidência, que escolheu, em vez do magistério de influência, o de interferência. O Presidente da República tem banalizado as suas funções. Fala de hora a hora, menos quando é preciso ser ouvido. Trata os temas com ligeireza. Vai aos gelados, ao Multibanco e à praia. Os turistas acham graça, mas como atracção. Na Índia vêem elefantes, em Portugal é um Chefe de Estado que faz animação de rua.

Depois de Marcelo, qualquer pessoa pode presidir. Um influencer, uma artista, um futebolista, qualquer pessoa, desde que tenha notoriedade e venha ela de onde vier. No caso de Marcelo Rebelo de Sousa, há, claro, cultura e conhecimento científico. É um constitucionalista e dos bons. Foi meu professor e o melhor que tive. Explica-se bem – nas aulas e nos livros. É uma vantagem, para o mais alto magistrado da nação, ser um constitucionalista experiente. Mas quando for o tal influencer, depois de aberta esta porta, pode sempre socorrer-se de vários juristas. Não será problema e até terá o próprio Marcelo no Conselho de Estado.

Voltando às crises e à instabilidade – porque foram elas que nos trouxeram aqui -, foi o presidente da República que tornou a bomba atómica uma bomba caseira. De repente, dissoluções e eleições estão sempre ao virar da esquina. Quando foi do filme E Tudo o Adjunto Levou, no Ministério das Infra-estruturas, o Chefe de Estado foi à rua e julgou pública e sumariamente o ministro João Galamba, exigindo ao então primeiro-ministro, através de uma chantagem, que o pusesse a mexer. Se não pusesse, tudo podia acontecer. É o tal magistério de interferência, misturado com golpes palacianos em horário nobre.

Para esta postura, temos vários exemplos. Com a crise actual, tem sido muito mais sóbrio e eu acredito que estará, nos corredores, a tentar evitar, a todo o custo, um cenário eleitoral. Para tanto, em causa não estará nenhuma intenção de proteger o PSD e muito menos Luís Montenegro. Não acredito que Marcelo se guie por isso. É um lobo solitário, sem amigos ou dívidas. Em causa estará as vidas que já gastou e a pouca margem para eleições, que entretanto podiam ter um resultado ainda pior, no que à estabilidade diz respeito, do que as últimas. Mais: Marcelo está prestes a ficar sem o poder de dissolver. Ou seja, confirmando-se a minha suspeita de que está a tentar evitar eleições, é porque não pode, porque não lhe dá jeito. A ele. A Belém.

Marcelo cerca-se sozinho. Encurrala-se. Em tempos, eram os orçamentos. Sem orçamento, havia eleições. Mas quem o mandou? Ninguém. E sobre as últimas eleições, havia um Parlamento eleito, não há razão para não se ter tentado formar novo executivo, chamando o partido mais votado – o PS – a apresentá-lo. Mas o presidente Marcelo é crise, é instabilidade e é traições, ainda que diga – e diz tantas vezes – que não.

É então neste ambiente que as crises nascem, mesmo quando a responsabilidade não é, como na que atravessamos, de Belém. A banalização de eleições e dissoluções retirou peso e gravidade a instrumentos que devem ser excepcionais. Um Governo não devia deixar o país em suspenso – cai não cai, cai não cai – mas essa tem sido a vida deste país nesta era de Marcelo. Nestes anos todos, o país passou muito tempo em impasses. São os anos dos impasses. É a marca desta presidência.

(Crónica publicada na newsletter Agora a Sério.)

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