Quinta-feira, Novembro 13, 2025
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Não sabíamos que dava para ir ao Louvre e trazer as coisas

Crónica de um assalto.

Há dias estava parado na Rua da Junqueira, no sentido de Belém. Ninguém andava. Ao longe, no cruzamento, percebia-se que havia alguma confusão. De repente, comecei a ver uma roda enorme, depois uma cabina inteira e logo a seguir o outro eixo, ou seja, outra roda enorme. Tudo muito lentamente, com todos os cuidados. Estavam a transportar um coche do antigo Museu dos Coches para o novo. Pelo menos foi o que me pareceu, porque agora, confesso, estou na dúvida. Será que assisti ao furto de uma carruagem real, peça única, de valor incalculável, nomeadamente ao nível do IUC? Não só eu, como umas dezenas de pessoas. Será? Devo ligar para o Museu dos Coches e recomendar-lhes uma contagem do stock?

Veio esta dúvida a propósito, claro, do assalto ao Museu do Louvre, em Paris, um crime que lamento imenso não ter sido eu a cometer. Aqueles quatro podiam ter dito qualquer coisa. Eu podia perfeitamente ter operado a grua. E a verdade é que havia um deles muito incompetente, pois deixou cair a coroa da imperatriz Eugénia, mulher de Napoleão III. Não sei se deixaram cair ou se pensaram que tinham levado coisas a mais, tiveram pena, e então optaram por deixar por ali a coroa para o museu poder reabrir com qualquer coisa.

Melhor do que participar no assalto, só encontrar no chão de Paris a coroa da imperatriz Eugénia, algo que, aliás, só podia mesmo acontecer em Paris. Mas achado não é roubado, por um lado, e por outro não seria possível, por razões de ordem biológica muito chatas, devolver a coroa à sua dona, a imperatriz Eugénia. Ou seja, a coroa passava a ser nossa. De forma mais ou menos legítima. Não era preciso uma fuga para Buenos Aires e viver o resto da vida com um bigode e cabelo apanhado.

Entretanto, para os devidos efeitos legais, declaro que condeno este crime ocorrido no Louvre, em Paris. Só digo que teria participado nele porque a) tenho o sonho antigo de roubar arte ou objectos valiosos e b) são precisos muitos leitores a escolher a subscrição paga deste espaço para chegar ao valor só da tiara das rainhas Maria Amélia e Hortênsia, uma brincadeira com 24 safiras do Ceilão e 1083 diamantes que também está neste momento a monte. Ainda para mais a subscrição paga deste espaço está com desconto. Era muito mais fácil furtar a tiara, espetar com ela na Vinted e deixar de pedinchar subscrições.

Mas também não sei, devo dizer, se estamos a ser justos quando falamos em crime. Analisando a facilidade com que estes quatro marchands d’art – neste caso, mais marchou l’art – entraram no museu e encheram a bolsa de souvenirs, não é de excluir que fosse mesmo para levar as coisas do museu. Ou seja, todos estes anos e milhões de visitantes depois, chegávamos à conclusão que em nenhum lado do Louvre se diz que não podemos levar os objectos. Tudo a comprar coisinhas na loja do museu e podiam ter levado as peças verdadeiras. O difícil ali, olhando para a simplicidade da operação destes quatro, é sair sem uma obra de arte no bolso, até por descuido. Ou mesmo presa ao sapato.

– Querido, temos de voltar ao Louvre… Tens A Jan­gada da Me­dusa, do Gé­ri­cault, colada nas costas… estou-te sempre a dizer, mas nunca vês por onde andas.

Claro que o governo francês levou tudo isto a mal e afirmou que é uma enorme vergonha para a França, todo este desleixo. É verdade que os franceses não andam com sorte em matéria de conservação de arte e património, mas é preciso calma. Isto são coisas que acontecem. Em Portugal, por exemplo, um dos países mais certinhos, organizados e seguros do mundo, havia um senhor do Museu da Presidência da República que tinha as obras do museu em casa e até em casa de amigos. Furtar não furtamos, levamos emprestado. Mas se isto se passa em Portugal, que é um exemplo, em França pode ser pior.

Ainda assim, o presidente Macron prometeu encontrar os larápios. Está bem. Mas e depois? O mais certo é acabar a convidar um deles para primeiro-ministro e acertar no que deixou cair a coroa da imperatriz Eugénia.

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