Nem sei se não é perigoso discutir política nestas eleições legislativas. Antes de mais, boa tarde. Entrei um pouco de repente. Mas a verdade é essa. Talvez seja perigoso falar-se de política nestas eleições. Corremos o risco de tê-las todos os anos, porque admitimos como normal – democraticamente normal – estar a escrutinar a acção executiva, nas urnas, ao cabo de um ano. Chega-se ao fim de uma sessão legislativa (1 ano) e pumba, eleições. Creio que não devia dizer pumba numa reflexão política. É por estas e por outras – sobretudo por outras – que nunca terei a página dois do Expresso. Digo para escrever, porque se quiser uma página dois do Expresso basta ir comprá-lo, eu sei.
Ora, não é democraticamente normal. O que é democraticamente normal é os mandatos serem cumpridos, daí se qualificar todos os actos, entre eles, de extraordinários. Faz todo o sentido. Estas eleições são, portanto, extraordinárias. Para as ordinárias faltavam três anos.
Neste caso, em particular, é ainda mais grave, porque não esteve em causa, para a queda do Governo, nenhuma questão política. O Governo não perdeu, por exemplo, apoio parlamentar. Podia ter perdido. Acontece. Mas não foi o caso. Aliás, o partido que o sustentou até avisou, várias vezes, que não era nada disso que estava em causa. Viabilizaram programas, orçamentos, só aquela moção de confiança – quanto a mim menos grave e séria do que orçamentos e programas – é que já não passou. Mas a razão não era política. Era do foro das avenças e já vai na empreitada da “mansão” dos Montenegro, em Espinho. Agora estamos na argamassa.
Entretanto, o líder da oposição, que fala todos os dias nas suspeitas sobre o primeiro-ministro, quando questionado sobre essas mesmas suspeitas, diz que quer falar do país. Mas como falar do país? Chumbou uma moção de censura. Duas, aliás. Viabilizou o programa do Governo. Viabilizou o orçamento do Estado. Garantiu que não queria eleições. Então só há um elefante no meio desta sala e é Luís Montenegro. Ele, a mulher, os filhos e a casa. Não sei se têm cão, mas ainda pode ser chamado a uma CPI, porque deve ter sido oferecido.
Não podemos ter eleições todos os anos, nem podemos escrutinar os governos, nas urnas, ao cabo de cada sessão legislativa. Mesmo quando mentem! Esta é para o senhor almirante Gouveia e Melo, que quer dissolver o Parlamento sempre que um governante mente, esquecendo-se que a Constituição não permite dissolver o Parlamento 20 vezes por dia.
Estas eleições são mesmo sobre o primeiro-ministro, porque foi nesse atoleiro que o Partido Socialista se enfiou. Está o país parado – pelo homem que diz que não arrasta os pés – quando isto podia ter sido tudo resolvido e sim, com escrutínio parlamentar aos actos do chefe do Governo. E sim, nas condições do Parlamento, não naquelas que os partidos da AD propuseram. Temos de recordar que o PS ainda queria o agendamento da comissão parlamentar já depois da dissolução, razão pela qual o presidente da Assembleia indeferiu o pedido. Nada disto faz, portanto, sentido. Foi um erro.
A situação em que Montenegro se envolveu – manter a empresa das avenças e depois dizer que é da mulher e depois que é dos filhos – é grave e devia ter levado à sua substituição enquanto primeiro-ministro. Não sendo essa a sua opção, o Parlamento devia ter insistido no escrutínio, mas o Governo devia ter continuado para bingo. Nenhum caso tem, até à data, gravidade para a situação em que o país se encontra. O Governo tinha de ser julgado ordinariamente – salvo seja.
É que o país também não vê essa gravidade, mesmo concordando que está perante um artista. Porque o país é de artistas. Veja-se: Primeiro, os biscates. É típico, é quase uma tradição. Os rendimentos por fora deviam ser património da UNESCO. Depois, parece que disse ao tribunal que o fato estragado pelo activista, com tinta verde, era mais caro do que é na realidade. Agora é o cimento. Os portugueses não se podiam identificar mais com este homem. Logo agora que estão a entregar um IRS mais martelado do que as contas do BES. Não havia pior altura para pedir aos portugueses para julgarem o carácter de alguém. Em Outubro e Novembro talvez fossem mais idóneos. Nesta altura e até ao Outono, ninguém é sério.
Então os danos do activista… O português médio, naquela situação, diria em tribunal que por baixo daquele fato tinha mais dois porque gosta de andar sempre com três. E mais: O português médio diria que a tinta, quando chegou a casa, explodiu e danificou todo o imóvel. O pobre activista havia de ser condenado a pagar-lhe a casa de Espinho. E ainda o valor das avenças, todos os meses, porque com o susto o primeiro-ministro deixou de conseguir trabalhar em protecção de dados.
Enfim, o líder do PS não pode, portanto, ser desagradável com uma jornalista que quis saber mais sobre Montenegro, quando foi o líder do PS que viabilizou este bonito serviço. Pedro Nuno Santos não pode pedir para falar de política e do país, porque não há eleições todos os anos e não havia qualquer questão política – disse o próprio – a justificar este acto extraordinário. Estamos a julgar o carácter de Montenegro, portanto.
Essa é outra. Agora andam todos à bulha com os jornalistas. É raro, em Portugal, o jornalismo que confronta. Não há esse hábito. Gostamos mais de jornalistas a dar deixas para autênticos tempos de antena. Ou mesmo comícios. Os candidatos dizem o que querem e apenas o que querem, quando o papel do jornalista devia ser outro. Por exemplo, Paulo Raimundo queixou-se de José Rodrigues dos Santos. Paulo Raimundo e os comunistas todos, porque a Provedora da RTP recebeu mil queixas. Acontece que não se pode responder à pergunta “aprova o envio de mais armas para a Ucrânia?” com “nós queremos é enviar a paz”. Tem de explicar. Isto não é uma resposta e os jornalistas não a devem aceitar. Isto é propaganda e é para estar nos outdoors. Aceito que José Rodrigues dos Santos, às tantas, podia ter dito que o secretário-geral do PCP não respondia à questão, para avançar. Mas percebo que tenha ficado incomodado com aquela resposta, tão insistente quanto as perguntas. E não percebo quem não fica incomodado. Dou com entrevistas em que Paulo Raimundo solta estas frases feitas decoradas em casa, que não respondem a nada, e passa, seguem em frente. Não pode ser. Não é esse o trabalho de um jornalista. Isso é um apresentador.
Entretanto, a Provedora já falou e diz que, de facto, aquela entrevista lhe pareceu diferente das outras, portanto não se cumpriu o serviço público. Pois bem, senhora Provedora, este telespectador preferia que a senhora Provedora entendesse que o serviço público passa por políticos a esclarecerem os eleitores nas entrevistas, levando respostas claras e inequívocas. Isto é que é um grande serviço público. A existir ali algum problema, só o tempo da entrevista, porque dez minutos dá azo a estes espectáculos. Dez minutos porquê? Tinham onde estar? Tinham coisas combinadas? Tinham o que fazer? A que horas fecha a RTP? Queriam ir para casa? Uma entrevista não deve demorar menos do que a maquilhagem ou mesmo a deslocação para o estúdio. Tempo até à RTP: 25 minutos. Maquilhagem: 12 minutos. Entrevista: 10 minutos. Isto é estúpido e era o que eu, se fosse o Provedor dos Telespectadores da RTP, dizia. Não queremos entrevistas a correr e os entrevistados devem responder às questões com clareza, coisa que os jornalistas devem procurar garantir até que, pronto, podem largá-los, dar-lhes um copo de água e uma toalha. Era isto que diria e é por isso que não sou Provedor dos Telespectadores da RTP.
Depois foi Pedro Nuno Santos, na SIC, com Nelma Serpa Pinto. Ficou incomodado por não se falar do país. Mas não é para se falar do país. Chumbou duas moções de censura e disse que não havia qualquer crise política; só era preciso escrutinar um primeiro-ministro que não quis ser escrutinado, apesar de poder ser obrigado a escrutinar-se, nomeadamente pelo próprio que diz que ele não se quis escrutinar. Então escrutine-se agora na forma encontrada. Isto é para falar de Montenegro, do seu fato, da sua casa, do betão, das avenças, é aqui que estamos. É mesmo disso que se trata. É pena, mas é o que é.
Agora vou ver se me inteiro da questão do cimento, porque não tardam chegam os painéis solares e também deve ter havido moscambilha. Moscambilha também não fica bem.
Crónica publicada originalmente na newsletter Agora a Sério.