Segunda-feira, Maio 12, 2025
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Em cada esquina um procurador

Apesar de todas as queixas que podemos ter em relação às instituições, a alternativa não pode ser a justiça popular, feita nas ruas e nas redes, com eleições transformadas em julgamentos.

Que a Justiça está de pantanas, está. Nem vale a pena discutir. Se alguém me dissesse que até vê isto a funcionar de forma regular, pronto, não há problema, era logo arrumado no quartinho dos terraplanistas, deixava-lhes uns refrigerantes e ficavam para ali a trocar impressões estúpidas, entre todos, alegremente.

Está uma lástima, a nossa Justiça, nas suas diversas dimensões. É – defendo-o há muitos anos – a nossa principal crise e responsável por muitas outras. Não pode continuar a ser remendada, tem de ser refundada. São as leis? São as garantias? São os processos? São os meios? É tudo? Não sei, sei que tinham de ir todos para um retiro em Sintra e só de lá saíam com um sistema funcional. O país testava. Se funcionasse, muito bem, podem sair. Não funciona? Voltam para o retiro.

Há magníficos exemplos, sei muito bem que sim, mas esses serão os primeiros a concordar com esta visão panorâmica da Justiça. É um escândalo. Quem estiver confortável com isto vai logo para o quartinho dos terraplanistas, toma lá uma gasosa, não bebas muito depressa por causa dos gás.

Até aqui estamos de acordo – quem não estiver já está no quartinho, se calhar devíamos deixá-los também com qualquer coisa para comer -, mas a alternativa não pode ser a justiça popular, feita nas ruas e nas redes, com sentenças nas eleições. Este raciocínio, que se baseia no descontentamento com as instituições democráticas, desistindo delas, explica, em boa medida, o crescimento dos radicalismos em Portugal, mas não só.

Vem tudo isto a propósito da tal investigação preventiva que a Procuradoria Geral da República está a levar a cabo na sequência de denúncias anónimas contra Pedro Nuno Santos e as casas que comprou em Lisboa e Montemor.

Semelhante investigação estará a ser conduzida também contra Luís Montenegro e também na sequência de denúncias anónimas. Andamos nisto.

Pela minha parte, apesar da crise, nestes casos em particular não encontro grandes defeitos. Chegaram denúncias pelo correio, é feita uma investigação preventiva ou preliminar, tais denúncias podem ir parar ao lixo ou dar origem a uma investigação mais séria porque os indícios justificam. Isto parece-me lógico e até bonito de um ponto de vista da arte da vigilância. Não se parte logo para a investigação, também não se ignora completamente, dá-se então aquilo que em Direito se designa por vista de olhos.

O problema é que, segundo a OCDE, os portugueses não sabem interpretar textos, muito menos textos mais complicados. E a imprensa, que tem aquele papel de informar, esclarecer, entre outros, também ela não sabe, em geral, interpretar coisas. Tenho visto notícias de que Pedro Nuno Santos está a ser investigado ou de que a PGR está a investigar suspeitas. Começa logo mal, porque a PGR, para já, está a investigar denúncias. Estas denúncias podem dar origem à investigação de suspeitas, mas, para já, são denúncias. A diferença é bastante grande. Chegam estas denúncias e as instituições próprias devem tentar perceber do que se trata, isto se a denúncia tiver o mínimo de fundamento. Não valerá a pena investigar a denúncia que acusa um líder partidário português de envolvimento no 11 de Setembro, até porque tal envolvimento, como se sabe, é atribuído a um apresentador de televisão.

Há problemas da Justiça que não são mesmo dela, temos de reconhecer. E isto é ironicamente injusto. Um deles é este desconhecimento geral sobre questões básicas do Direito, coisas que deviam pertencer ao domínio da cultura geral. Tal desconhecimento, posso garantir, verifica-se até em licenciados, acabados de licenciar e que ostentam “Dr.” no cartão de crédito.

Em teoria, estas notícias de investigações preventivas – não gosto do nome, admito – deviam ser de rodapé, por não terem ainda relevância. É um procedimento normal. No entanto, como se lê uma investigação preventiva como “está preso, pronto, roubou, eu bem te disse que ele era ladrão”, cai logo o Carmo e a Trindade. E a imprensa, como digo, ajuda. As coisas que já li sobre este caso, do líder do PS, nem às parede confesso.

Agora, há uma coisa interessante de se discutir neste âmbito. É a publicidade dos actos da PGR, fenómeno que até fez cair um primeiro-ministro. Pelos vistos, continuam a ser demasiado explicativos, bufando para a imprensa que andam em investigações preventivas. Este tema é interessante, mas complexo. Deve ou não dar-se publicidade de tais actos? Já aqui em tempos defendi, sobre a operação Influencer, que não. O segredo de uma investigação é, lá está, o segredo. Anunciar investigações é, em teoria, bastante estúpido. – É só para dizer que te estou a investigar. – Disse nunca ninguém.

Sucede que este procurador, em concreto, recebeu uma herança pesada. A sua antecessora derrubou um Governo com a mania das explicações. Ela e o presidente, mas isso seria outra discussão. Ora, se a Procuradoria informou o país sobre António Costa, não informava agora sobre estes? Então era assumir que tinha sido um gesto deliberadamente contra o ex-primeiro-ministro. Mais: Aqui há uns meses, sobre Luís Montenegro, com a catadupa de notícias na imprensa, muitos se perguntavam pela intervenção da PGR. E então a PGR, solícita, confirmou que estava a investigar preventivamente, depois de ter recebido denúncias anónimas. O mesmo veio então a acontecer com Pedro Nuno Santos, porque já se percebeu que há alguém a usar a Justiça para fins políticos. Quem será? Não consigo imaginar.

Mas o que podia fazer o procurador? Não dizer nada? Disseram de Costa e caiu – o erro original. Entretanto, o novo já foi pressionado a confirmar em relação a Luís Montenegro e lá confirmou. Com Pedro Nuno Santos ia guardar segredo? É bastante complicado.

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