Àquela hora os portugueses já tinham adormecido no sofá, até porque já se tinham habituado aos gritos histéricos que nos chegavam das bancadas do Arena Amazónia. Os adeptos até gritavam quando não se passava nada de relevante no campo, o que levou muito a gente a pensar que havia um chimpanzé à solta nas bancada. Ninguém os manda ir ver jogos para o meio da selva.
Seja como for, como é que os portugueses, que estavam tão excitados com os jogos do mundial, conseguiram adormecer a meio da partida com os Estados Unidos? É fácil: foi por contágio. Os jogadores começaram a deitar-se e a malta em casa também. Aliás, se o árbitro não apitasse, estou convencido que ainda estávamos todos aqui a dormir no sofá com a televisão ligada e eles também lá todos a roncar no Arena Amazónia.
E a verdade é que estava tudo resolvido. Estava tudo preparado para uma saída limpa de Portugal do Mundial. Primeiro foi aquela notável derrota com a Alemanha, que garantiu literalmente a passagem da selecção portuguesa para Portugal, na medida em que se o resultado fosse outro e os alemães não gostassem, podiam recusar-se a pagar os bilhetes de avião de regresso e pronto, eles ficavam para sempre no Brasil.
Depois, a derrota com os Estados Unidos também estava no papo, embora mais ligeira, apenas com a vantagem de um golo. Os Estados Unidos não atacaram muito, o que se explica, em boa parte, por sermos um país sem petróleo. Se jorrasse fuel das nossas entranhas, a meio da primeira parte já estávamos a levar vinte golos por segundo e o Arena Amazónia estava reduzido a pó.
Mas como é costume, com as coisas praticamente garantidas, descontraímos e acabámos por sofrer mais um golo de Portugal, que nos permite manter o receio de passar à próxima fase. Foi talvez a primeira vez na história do futebol que um povo celebrou um golo da sua selecção com um murro na mesa. E os portugueses que àquela hora ainda tinham forças, em vez de Gôôôôôôôôôô, gritaram Fôôôôôôôôôôôôôô.
Estava irremediavelmente afastada a hipótese de uma saída limpa para Portugal, que volta assim a estar dependente de ajuda internacional, até para regressar a casa. Não somos senhores nem da nossa selecção. Queremos regressar mas não podemos. E só nos podemos culpar de nós próprios. Sobretudo do Varela.
Por outro lado, temos outra vez aquela situação desagradável aqui dos coisos, aqui do lado. Pois, os coisos. Mais uma vez, devem-se estar todos a rir. É o tal atraso crónico de Portugal em relação a Espanha. Eles já têm aí a selecção deles, longe daquele calor e daquela humidade toda, e nós ainda à procura de um país simpático que tenha a bondade de nos mandar os rapazes para cá.