Terça-feira, Outubro 15, 2024
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Altar-palco do demo

Ao que parece, o altar-palco para as Jornadas Mundiais da Juventude – onde o Papa Francisco celebrará a missa final do evento – vai custar 4,2 milhões de euros. Isto é só o palco, porque depois é preciso fazer as fundações (outros milhões). E ainda temos de acrescer a estes valores todos as nossas cirurgias para podermos recuperar o andar que tínhamos antes de pagarmos o altar-palco para as Jornadas Mundiais da Juventude.

Pode ser um golpe publicitário. Se o povo arranjar mais 4 milhões para mais esta brincadeira, naturalmente é milagre. O país torna-se santo, o turismo ainda cresce mais e nós vivemos das peregrinações para nos verem e tocarem. Já me estou a ver de túnica, sentado numa pedra, a falar com uns franceses: “Sim, acreditei que ainda tinha mais uns euros na bolsa, acreditei com muita força, olhei e lá estavam eles, mais uns poucos de uns euros… tomem!, tomem para o altar-palco!”

Para se ter uma ideia de valores, o altar-palco dava para indemnizar 6 ex-administradores da TAP. Isto é para comparar assim mais ou menos com as nossas despesas extraordinárias fixas, porque sim, as nossas despesas extraordinárias são fixas. As famílias, normalmente, por esse mundo fora, têm despesas não previstas como, por exemplo, um frigorífico novo porque o velho se estragou. Já nós, este mês, é um altar-palco para as jornadas mundiais da juventude.

Mas calma, está tudo muito exaltado. Vamos manter a calma. O senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa já explicou. “Nós estamos na Câmara a executar essas especificações para um palco de 1,5 milhões de pessoas”, afirmou. Tudo em Carlos Moedas é enorme – salvo seja. As chuvas são dos 100 anos, o palco é para 1,5 milhões de pessoas. Parece um programa do National Geographic. Ou um filme da Disney.

Entretanto, como a despesa é pequena, parece que não se verificou um desejado concurso público, tendo o palco sido adjudicado, com a graça do Senhor, à Mota-Engil, que entretanto se converteu e vai à missa todos os domingos. O autarca dá conta da urgência em contratar. O anúncio das Jornadas Mundiais da Juventude em Portugal tem muito tempo, mas devem estar agora a fazer tudo à pressa. O Papa Francisco que venha preparado com a mala das ferramentas, porque pode ter de ajudar com os acabamentos no altar-palco. Disse Moedas: “Consultámos preços que eram o dobro desse preço e fomos reduzindo o preço até encontrar aquele que fazia mais barato… isto foi feito com total transparência.”

Os concursos públicos são uma coisa do passado. Os organismos públicos devem começar a adoptar os concursos do Moedas, que passam por pedir preços ao telefone para um altar-palco que leva 1,5 milhões de pessoas, sempre tudo com total transparência. Vejam esta transparência: “os preços eram o dobro”. A exactidão disto. Todos os que foram consultados, para além da Mota-Engil, pediram 8,4 milhões de euros pelo altar-palco. É a leitura que faço. Depois lá encontraram um que fazia mais barato, isto porque o primo agora não podia, porque está com três obras e já nem anda a atender o telefone.

Nesta fase, é bom lembrar que Carlos Moedas culpou a Santa Sé pela despesa. Parece que a câmara andou reunida com o Vaticano e foram eles que deram as especificações. Eu vou mais longe e suspeito que até devem ter travado algumas loucuras, porque no plano inicial era um altar-palco com propulsores para ir 10 minutos ao espaço, como os outros. Aliás, terá sido quando começaram a cortar nas especificações que se abateram sobre Lisboa aquelas chuvadas dos 100 anos. Era um aviso. A câmara não cortou em mais nenhuma especificação.

Certo é que, se as Kardashians quiserem celebrar o aniversário em Lisboa, preparem-se para adquirir uma frota de Rolls-Royces em ouro.

Ora, nesta história, quem é que falta? Marcelo Rebelo de Sousa, exactamente. Veio dizer, o Presidente da República, que “o altar-palco para as Jornadas Mundiais da Juventude pode receber outros eventos, como a Web Summit”. Que é uma infraestrutura para crentes, isso já todos tínhamos percebido. Mas, se é assim, podiam acreditar que estavam num altar-palco de 4,2 milhões de euros, sem estarem mesmo num. Podiam subir para aquelas carrinhas da CGTP, que estão nas manifestações, e acreditar que a Toyota era o altar-palco de 4,2 milhões de euros. Temos ou não temos fé? Somos ou não somos optimistas?

Como é que Marcelo pretende tranquilizar os contribuintes com esta versatilidade do altar-palco? Também pode servir para a Ovibeja e para as tomadas de posse/demissões no Governo. Tinha saído sempre tudo mais barato se tivessem ido todos para a FIL, para o Pavilhão Atlântico, para um descampado ou até mesmo para o novo aeroporto de Lisboa.

E estando o palco perto da ponte Vasco da Gama, lembrem-se agora de fazer uma feijoada gourmet para os fiéis. Lembrem-se.

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