Numa das minhas saídas precárias para comprar alimentos, passei num supermercado, fila, noutro, fila, fui ainda a outro, fila. Apesar de tudo, não diria que prefiro coronavírus a filas, mas estão na mesma prateleira.
Acabei então por ir a um pequeno supermercado biológico porque só tinha um hippie à espera. Até sou bastante adepto dos produtos biológicos, mas é daqueles mesmo biológicos. Não é daqueles bastante embalados e que até estão em alemão. Para além disso, uma superfície comercial é sempre a antítese de qualquer coisa que seja biológica. É como comprar um carro a diesel para salvar o planeta.
Mas enfim, se não tem fila está óóóptimo. Lá esperei pela minha vez, tudo de máscara, parece o Carnaval de Veneza dos pobres, sim senhora, entro… e agora? Comprar o quê? Frutas e legumes é fácil, siga. Nos supermercados convencionais, a fruta é toda linda e se há uma maçã mais mirrada ninguém lhe toca. Já nos supermercados biológicos, a fruta é toda horrível e se aparece uma maçã com bom aspecto fecham a loja e vão de quarentena. Adorava ver o controlo de qualidade deles. “Esta é linda, fora. Sumarenta, fora. Tem bicho, põe na montra”.
Mas, adiante, depois das frutas e dos legumes é que é bonito. Eu andava por ali perdido, sem saber o quer fazer, até que dou com uma embalagem que dizia “Despertar de Buda”. Ah, claro, o apocalipse aí e eu vou açambarcar despertares de Buda. Nem era para me alimentar, é mesmo só porque vai demorar uns meses a voltar à prateleira. Outra calamidade, os hippies a comerem estrelitas pela manhã. As estrelitas devem desequilibrá-los todos. Isso é que era um zombie outbreak. Só porque eu tinha açambarcado os despertares de Budas. Alerta CM. Prateleiras de despertares de Buda vazias.
Continuei. Leite é para esquecer. São quase sempre variantes. Difícil encontrar no meio de tanta oferta de leite sem leite, um leite mesmo de leite, de vaca, mesmo vaca, completamente vaca, muuuuu. É melhor sair daqui.
Fui às bolachas, porque bolachas são bolachas, estas devem ser caríssimas, mas eu compro só dois pacotes, esmigalho-as e vamos comendo às migalhas. Sucede que mal viro para esse corredor, vejo logo ao longe aquelas bolachas brancas enormes, do tamanho de pneus e que efectivamente são 90% ar. Meu Deus, é que nem as posso ver. Se gostam de comer cartão podiam perfeitamente oferecer-se para ajudar com a reciclagem. Ainda não consegui comprar máscaras, mas quis ter ali uma para me proteger daquelas bolachas. Acho que são de arroz. Que blasfémia. Arroz, uma das coisas mais maravilhosas do mundo, acabar assim.
Enfim, lá temos que correr para o refúgio do costume, o vinho. Também não deu. Vinho perfeitamente banal quase ao preço de gel com álcool para as mãos. “Olhe, desculpe, este preço é só desta garrafa ou é o que pedem pela sociedade agrícola toda?”. “É só da garrafa…”, “ah, muito bem, nesse caso vou emborrachar-me com despertares de Buda”.