O Banco de Portugal alertava ontem para o perigo das bitcoins. A verdade é que é preciso cuidado. Muita volatilidade. Ao longo do dia pode estar-se rico, pobre, remediado, milionário, desgraçado, rico outra vez. Quem quer entrar na brincadeira – que já se diz que pode substituir o ouro como reserva de valor preferencial – faça-o com moderação. O limite do investimento, com um risco destes, é aquele valor que, no caso de se perder tudo, não nos leva a fazer bungee jumping sem bungee.
Mas longe de mim querer fazer aconselhamento financeiro, atenção. O meu ponto é outro. É a curiosidade de ser o Banco de Portugal a fazer o alerta. Nos últimos anos, os portugueses perderam cerca de 14 mil milhões de euros com os seus bancos. O regulador – que é o Banco de Portugal, justamente – não deu pelo risco de alguns investimentos. 14 mil milhões de euros dava para comprar, hoje e a esta hora, 334896 bitcoins. Com a valorização esperada – recordo o risco – no fim do ano os portugueses podiam ter quase 17 mil milhões de euros. As previsões a dez anos, então, nem se fala. Seriam números astronómicos. Claro que, segundo o alerta do Banco de Portugal, pode perder-se tudo. Pois pode, pode – se há quem saiba dessa hipótese são os portugueses, obrigado. Nós até corremos o risco de perder sem investir nada. É outro nível.
Oxalá o Banco de Portugal tivesse investido em bitcoins, em vez desta aposta em banqueiros pouco idóneos e contas marteladas. Hoje estaríamos estupidamente ricos. Em vez de recebermos a bazuca europeia, éramos nós a dispará-la. O amigo holandês a jurar a pés juntos que nunca tinha dito que nós gastávamos tudo em copos e mulheres. “Foi a tradução, juro, eu disse que nós aqui para cima é que estoiramos tudo em boa-vai-ela”.
É muito irónico ser o Banco de Portugal, que nos disse que o BES era seguro – quando já sabia que não era – a dizer-nos que as bitcoins são de alto risco. Podia perfeitamente deixar-nos continuar em frente, arriscar à doida, como fez com os bancos. A probabilidade de os portugueses arranjarem um buraco de 14 mil milhões de euros em bitcoins é extraordinariamente baixa, apesar de um risco tão alto. No lugar do governador, eu teria dito “olhem que isto das bitcoins é perigoso, mas com os disparates que temos visto podem perfeitamente fazer all-in e logo se vê”. Isto sim, seria justo. A Constituição, aliás, impõe esta igualdade.
Enfim, é naturalmente importante que se alerte para o risco das bitcoins e que se demova todos aqueles que acreditam na possibilidade de se tornarem ricos de forma fácil e rápida, seja nos jogos da Santa Casa, acções, forex ou criptomoedas. Mas era bom que não fosse o Banco de Portugal a fazer o alerta, porque isso era como se o Tiger Woods nos viesse dizer “cuidado, olha que não estás a gerir bem a tua carreira”, ou mais recentemente “olha como se desce uma estrada de montanha num SUV”. O Banco de Portugal, se quer passar a mensagem, pode perfeitamente pagar mil euros a uma influencer do Instagram para tirar uma selfie com um certificado de aforro. É que qualquer um pode fazer alertas de risco, menos o Banco de Portugal. Aliás, as bitcoins têm estado a subir nas últimas horas, não sei se não foi graças ao alerta do nosso regulador. Funciona melhor que o Elon Musk.