Nos últimos dias, a actividade do Imprensa Falsa diminuiu de intensidade, razão pela qual muitos leitores manifestaram a sua preocupação, nomeadamente quanto à hipótese de o director ter sido apanhado na Operação Influencer. Quero dizer que tal suspeita se confirma, fui acusado de facilitar notícias, mas os procuradores do Ministério Público aceitaram, em lugar de levar o director, levar três estagiários, a quem quero agradecer pelo serviço que prestaram a este jornal, mesmo que a forma como esperneavam enquanto eram levados me deixe na dúvida sobre a vontade com que o fizeram, mas isso é outra coisa.
Ora, se só levaram três estagiários e portanto o director continuou ao serviço, com mais de uma dezena de outros estagiários, por que razão não se tem publicado? É simples. Estou em reflexão. Cheguei à conclusão de que não faz sentido um jornal satírico, admitindo a hipótese de converter o Imprensa Falsa num jornal dito verdadeiro. E cheguei à conclusão de que não faz sentido um jornal satírico porque já há muitos. Ou são mesmo todos. O Imprensa Falsa está talvez a meio da tabela da imprensa satírica em Portugal, ao nível da intensidade da sátira. O nível de incredulidade, que é o nosso core business, é muito maior na concorrência, tenho de admitir. Senti até a necessidade de substituir, nas últimas horas, a frota de estagiários.
Mas é que foi mesmo o que pensei ao ver os meus colegas ditos verdadeiros horas e horas à porta de casa de um ministro que foi constituído arguido. A rua não tinha um passeio assim tão largo, então estavam todos em cima uns dos outros, à espera que o ministro fosse passear o cão. Dizem-me que os jornalistas atiravam biscoitos diuréticos para o animal, tentando acelerar a sua fisiologia. Às tantas o ministro tinha não apenas problemas com a Justiça, mas também 5 sacos de lixo (de 30 litros) cheios de cocó do bicho, mais uma inundação de xixis em casa, tudo porque os jornalistas permaneciam à sua porta, sitiando até o pobre Jack Russell. O PAN não disse uma palavra, pelo que não gostará de todos os animais. Só de alguns.
Uma jornalista de um canal que o Ronaldo comprou depois de falhar a compra do Imprensa Falsa, por falta de verba, lá conseguiu apanhar o ministro a passear o seu melhor amigo, pela fresca, de pijama. Profissional competente, a jornalista foi atrás dele. Ou melhor, deles. Do ministro e do seu cão. O ministro parecia chateado, mas o cão estava espantado. Porque o ministro já saberá mais ou menos como estas coisas funcionam, mas para o canídeo era tudo novo. Costuma ser ele a correr atrás de coisas, desta vez ia uma jornalista atrás dele. O cão sentiu-se um pau. A confusão que isto pode fazer na cabeça de um animal é tremenda. Segundo sei, porque acabei por pôr dois estagiários à frente dos jornalistas que estavam à frente da casa do ministro, o bicho terá mesmo pedido ao seu dono – o ministro – para atirar a jornalista para longe, que ele ia buscar, ao que o seu dono terá respondido ‘só não me fales em buscas’.
É verdade que os senhores jornalistas pretendiam declarações, que pelos vistos até podiam ser de pijama. Não se lembraram de pedir aos Bombeiros uma viatura auto-escada para confrontá-lo no banho. Bom, mas se são satíricos, eu devo lembrá-los que, quando não temos declarações, inventa-se. É essa a facilidade. Não é preciso ouvir ninguém, basta imaginar. Se estão dispostos a passar horas a olhar para uma porta, com certeza podiam noticiar que o ministro tinha vindo à janela cantar a Grândola Vila Morena. É indiferente. As pessoas compram.
Não confortáveis com estas figuras, porém, os meus colegas ditos verdadeiros, no dia seguinte, noticiavam corajosamente – nesta profissão não se pode ter medo – que foi apanhada droga em casa do ministro. À primeira vista, pronto, uma pessoa pensa que para aquilo ser notícia, então ele será naturalmente um traficante ou mesmo um barão. Começamos a imaginar a polícia a levantar-lhe os tacos do chão e quilos e quilos de estupefacientes, mais dois submarinos e uma lancha rápida.
Parece que não. Era algo para autoconsumo e até podia ser para o cão, porque repare-se: é um Jack Russell. Às vezes é preciso que eles parem um bocado e fiquem a curtir uma cena. Eu às vezes também dou aos estagiários quando me chegam aí cheios de ideias e a querer fazer coisas.
Certo é que dou por mim a olhar para isto e a pensar que, se calhar, alguém tem de fazer uma imprensa séria. Assim uma fonte de informação concentrada em factos verdadeiramente relevantes e que não tenha como objectivo o entretenimento. Alguém capaz de relatar que a Operação Influencer não tem apenas 5 detidos, mas 6, porque um cão também ficou em prisão domiciliária, sem conhecer as suspeitas que sobre si recaem e negando, desde já, ter sido ele a comer o pé daquela cadeira.
Compreendam, portanto, que estamos em reflexão. Quando fundei um jornal satírico, senti que fazia falta. Hoje, olhando para o panorama, sinto que há sátira a mais e que precisamos de um jornal verídico. O Imprensa Falsa poderá vir a ser o Imprensa Verdadeira.