“As desculpas não se pedem, evitam-se” é um daqueles lugares-comuns tão irritantes que uma pessoa pode acabar por tomar uma atitude que conduz à necessidade de apresentar outro pedido de desculpas.
A verificação de uma razão para a existência de um perdão pressupõe que já não se possa evitar nada, caso contrário não se colocava a possibilidade de se desculpar. Só um maluco pede desculpa a outra pessoa sem ter feito nada. Ou antes de fazer. Logo, se é caso para se pedir desculpa, é porque o prejuízo já se verificou.
No limite, se alguma coisa se pode evitar, são os factos que conduzem à necessidade de se pedir desculpas. Mas as desculpas não se podem evitar, a não ser que a besta seja tão grande que não só fez asneira como ainda evitou pedir desculpa.
Vamos supor que pisamos o pé de uma idosa, na fila do supermercado, concentrando todo o nosso peso no calo. Quando a senhora parar de ganir, devemos pedir-lhe desculpa. Não vale a pena pensar que não lhe devíamos ter pisado o calo. Já está pisado, não há nada a fazer.
Claro que uma pisadela terá sido sem querer, mas há prejuízos que podemos provocar com algum dolo. Levar a mulher do melhor de amigo de férias, por exemplo. Claro que isto pode ser evitado. Mas é a traição que pode ser evitada. As desculpas só podem ser pedidas, aceites ou recusadas. Não há mais nenhuma opção.
Ninguém vai tomar mais atenção ao sítio onde coloca o pé ou deixar de trair o melhor amigo só para evitar um pedido de desculpas. Pode tomar mais atenção ao sítio onde coloca o pé para não matar uma idosa – entretanto a senhora não resistiu – ou pode tentar ser uma pessoa fiel.
“Vou tentar não deixar fugir o gato da minha mulher para evitar pedir-lhe desculpa” é uma sentença absurda. Deve evitar-se deixar fugir o gato por respeito ao carinho da mulher pelo bicho. E o que se evita é deixar fugir o gato, não é pedir desculpa por ter deixado fugir o gato. Assim como também não se diz a um amigo que só não nos atirámos à mulher dele para não ter de lhe pedir desculpa.
A conclusão: Se estamos perante um pedido de perdão, já nem os factos que deram azo ao arrependimento podem ser evitados. A única coisa que as desculpas podem ser, aliás, é pedidas. E depois aceites ou recusadas.