Quinta-feira, Março 28, 2024
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Crónica da Final da Taça: A importância dos preliminares

O que se passou dentro de campo foi magia  – especialmente o Diaby, que é um mágico especial, em vez de tirar coelhos da cartola, põem-nos lá dentro. Passos Coelho disse um dia que vinha aí o diabo, mas queria com certeza dizer que vinha aí “o Diaby” e estava a lançar um alerta não ao país, mas apenas a Alvalade. Ainda assim, mesmo com algumas falhas grandes do Sporting – e o Porto também não esteve espectacular – foi possível ser feliz. Esse assunto está resolvido. Gostava de dedicar algumas palavras ao que se passa fora do campo, à festa. 

A combinação era às 10 horas no Jamor, sendo que a partida tinha início às 17. Aquilo que se pretende fazer entretanto é, invariavelmente, comer, beber, cantar, dançar e chegar lume a artefactos de pirotecnia. Depois às tantas, já com muito cerveja, começa a chegar-se lume aos artefactos antes mesmo de os tirar do bolso. Lá passam as ambulâncias. Ou melhor, passam mas só depois de um adepto que pensa estar a saudar o autocarro da sua equipa sair da frente. “Ia o Bruno Fernandes ao volante, meu, juro, ele faz tudo, até conduzir o autocarro”, comenta o adepto, mas na verdade era um bombeiro que estava ao volante. 

Com o aproximar da hora do jogo, os barris vão ficando vazios e ainda há espeto mas já não há porco. O porco é o prato principal, para desespero de quem deixou de comer animais, mas ainda falta algum tempo para o veganismo chegar à Festa da Taça. Lá chegará o dia em que em vez de porco no espeto e cerveja, haverá um brunch no Jamor, com workshops em que se aprende a fazer sumos detox, enquanto se aguarda o início de uma partida, mas de uma partida de yoga. 90 minutos para ver quem se dobra mais. Havia de ser o Bruno Fernandes, claro, que se deve conseguir dobrar como um agrafador. Até lá, o Jamor continua a ser uma maravilhosa selvajaria. 

Chega então a hora de ir para o próprio estádio, assistir ao jogo, que já ninguém se lembra mas foi para isso que ali fomos. O estádio é o Estádio Nacional, que ao nível das infra-estruturas é porventura dos piores para receber multidões acima de 50 pessoas. Depois de o país gastar o ouro todo a fazer estádios, acabar no Estádio Nacional, que é tão lindo quanto pouco prático, custa um bocado. É como andar a pagar um Lamborghini Urus mas depois ir até ao Meco num Lada Niva. 

Sem condições, lá nos vamos aproximando da entrada, começa a apertar, a apertar, a comprimir, a apertar, agora vai tudo um bocadinho para a direita, para a direita – olha aí, crl – calma, calma – agora todos um bocadinho para a esquerda, para esquerda – vamos lá, crl, está a começar – aperta mais um bocadinho, junta. Chega então a polícia de intervenção, que vai criar zonas de contenção com intuito de a gente não se tornar numa célula única, uma massa uniforme, gelatinosa, que teria de ser mais tarde removida com espátulas, pela autarquia. Mas naquele ambiente e invariavelmente no ambiente de futebol, quando se vê a polícia quer tudo fazer um Maio de 68. Até o ministro da Administração Interna, se estivesse naquela fila, havia de começar a gritar “a gente não estava a fazer nada, vocês é que querem provocar, mas a gente só quer ver a bola”.

Eu acabaria por ter de lembrar a um cavalheiro que estava a vociferar contra um dos agentes – explicando-lhe toda a estratégia de gestão de multidões que deve ser aplicada nestes casos e que ele pode ter aprendido a ver um dia o canal Discovery – que aquele pobre homem não podia fazer nada, estando apenas a cumprir ordens. Então o indivíduo especialista em gestão de multidões bêbadas, lá explicou que é “para ele dizer lá no Comando”. Desde então, ainda nem consegui dormir, só consigo imaginar o polícia, logo na segunda-feira, a pedir uma reunião com o Comando, chegar lá e dizer, “ó senhor comandante, é que eu no sábado, na Final da Taça, enquanto evitava que umas dez mil pessoas passassem ao estado gasoso, uma delas disse-me uma coisa que faz sentido, que é o seguinte, ó senhor comandante, oiça bem…”. 

Entretanto, enquanto se está naquela argamassa de gente, para a frente a para trás – olha aí, crl, está aqui uma criança – cuidado, crl – estamos todos suficientemente juntinhos para poder 1) engravidar, 2) casar, 3) fundir-nos, 4) ficar sem bens. A pessoa vai andando – mesmo sem andar, porque às tantas já se está apenas a pairar – e lá se vai um cachecol, a meninice, a máquina dos cigarros aquecidos, uma camisola, o automóvel, o emprego, a carteira, os sonhos. É possível inclusivamente os sonhos serem furtados naquele ambiente. Às tantas começa um gajo que vai um pouco atrás a sonhar com aquele barco de 60 pés, rigorosamente igual ao que nós queríamos mas entretanto já nem gostamos de barcos, passou o gajo a gostar. Nós agora até enjoamos. 

Enfim, lá se consegue chegar ao estádio. “Vamos lá, crl”, grita-se então, porque acabou de se levar a melhor numa importante batalha numa mata às portas de Lisboa. É bastante épico. Uma curiosidade também relativamente à língua oficial do futebol, que é muito parecida com o português, mas tem sempre “crl” no fim. Pode fazer a experiência, construa uma frase qualquer e acrescente “crl” no fim. Por exemplo: São quase horas de almoçar/ São quase horas de almoçar, crl. 

Bom, está quase a começar o jogo, ou melhor, o show de magia do Diaby. 

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